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LISTA DE POETAS POR ORDEM
ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME 1966
Estava à toa na vida O meu amor me chamou Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor A minha gente sofrida Despediu-se da dor Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor O homem sério que contava dinheiro parou O faroleiro que contava vantagem parou A namorada que contava as estrelas parou Pra ver, ouvir e dar passagem A moça triste que vivia calada sorriu A rosa triste que vivia fechada se abriu E a meninada toda se assanhou Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou A moça feia debruçou na janela Pensando que a banda tocava pra ela A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu A lua cheia que vivia escondida surgiu Minha cidade toda se enfeitou Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor Mas para meu desencanto O que era doce acabou Tudo tomou seu lugar Depois que a banda passou E cada qual no seu canto Em cada canto uma dor Depois da banda passar Cantando coisas de amor
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Pedro Pedreiro - Chico Buarque 1965
Pedro pedreiro penseiro esperando o trem Manhã, parece, carece de esperar também Para o bem de quem tem bem De quem não tem vintém Pedro pedreiro fica assim pensando Assim pensando o tempo passa E a gente vai ficando pra trás Esperando, esperando, esperando Esperando o sol Esperando o trem Esperando o aumento Desde o ano passado Para o mês que vem Pedro pedreiro penseiro esperando o trem Manhã, parece, carece de esperar também Para o bem de quem tem bem De quem não tem vintém Pedro pedreiro espera o carnaval E a sorte grande do bilhete pela federal Todo mês Esperando, esperando, esperando Esperando o sol Esperando o trem Esperando o aumento Para o mês que vem Esperando a festa Esperando a sorte E a mulher de Pedro Está esperando um filho Pra esperar também Pedro pedreiro penseiro esperando o trem Manhã, parece, carece de esperar também Para o bem de quem tem bem De quem não tem vintém Pedro pedreiro esta esperando a morte Ou esperando o dia de voltar pro norte Pedro nã sabe mas talvez no fundo Espera alguma coisa coisa mais linda que o mundo Maior do que o mar Mas pra que sonhar Se dá o desespero de esperar demais Pedro pedreiro quer voltar atrás Quer ser pedreiro pobre e nada mais Sem ficar esperando, esperando, esperando Esperando o sol Esperando o trem Esperando o aumento para o mês que vem Esperando um filho pra esperar também, Esperando a festa Esperando a sorte Esperando a morte Esperando o norte Esperando o dia de esperar ninguém Esperando enfim nada mais além Da esperança aflita, bendita, infinita Do apito do trem Pedro pedreiro pedreiro esperando Pedro pedreiro pedreiro esperando Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem Que já vem, que já vem, que já vem (etc.)
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Agora falando sério - Chico Buarque 1969
Agora falando sério Eu queria não cantar A cantiga bonita Que se acredita Que o mal espanta Dou um chute no lirismo Um pega no cachorro E um tiro no sabiá Dou um fora no violino Faço a mala e corro Pra não ver a banda passar Agora falando sério Eu queria não mentir Não queria enganar Driblar, iludir Tanto desencanto E você que está me ouvindo Quer saber o que está havendo Com as flores do meu quintal? O amor-perfeito, traindo A sempre - viva, morrendo E a rosa, cheirando mal Agora falando sério Preferia não falar Nada que distraísse O sono difícil Como acalanto Eu quero fazer silêncio Um silêncio tão doente Do vizinho reclamar E chamar polícia e médico E o síndico do meu prédio Pedindo pra eu cantar Agora falando sério Eu queria não cantar Falando sério Agora falando sério Preferia não falar Falando sério
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Deus lhe pague - Chico Buarque 1971
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir Deus lhe pague Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí '' Pela vida no bar e o futebol pra aplaudir Um crime pra comentar e um samba pra distrair Deus lhe pague Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir Pelo domingo que é lindo, novel, missa e gibi Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair Deus lhe pague Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir E pelo grito demente que nos ajuda a fugir Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir E pelas moscas - bicheiras a nos beijar e cobrir E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir Deus lhe pague
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1971
Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contramão atrapalhando o sábado
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1975
Já lhe dei meu corpo, minha alegria Já estanquei meu sangue quando fervia Olha a voz que me resta Olha a veia que salta Olha a gota que falta Pro desfecho da festa Por favor Deixe em paz meu coração Que ele é um pote até aqui de mágoa E qualquer desatenção, faça não Pode ser a gota d'água
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1975
Sei que estás em festa, pá Fico contente E enquanto estou ausente Guarda um cravo pra mim Eu queria estar na festa, pá Com a tua gente E colher pessoalmente Uma flor do teu jardim Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei também que é preciso, pá Navegar, navegar Lá faz primavera, pá Cá estou doente Manda urgentemente Algum cheirinho de alecrim
¹ (primeira versão) Letra original, vetada pela Censura; gravação editada apenas em Portugal, em 1975
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Mulheres de Atenas - Chico Buarque - Augusto Boal 1976 Leia, carregando aqui, uma análise sobre esta canção / poema
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Vivem pros seu maridos, orgulho e raça de Atenas Quando amadas, se perfumam Se banham com leite, se arrumam Suas melenas Quando fustigadas não choram Se ajoelham, pedem, imploram Mais duras penas Cadenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas Quando eles embarcam, soldados Elas tecem longos bordados Mil quarentenas E quando eles voltam sedentos Querem arrancar violentos Carícias plenas Obscenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas Quando eles se entopem de vinho Costumam buscar o carinho De outras felenas Mas no fim da noite, aos pedaços Quase sempre voltam pros braços De suas pequenas Helenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas Elas não têm gosto ou vontade Nem defeito nem qualidade Têm medo apenas Não têm sonhos, só tê presságios Lindas sirenas Morenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas As jovens viúvas marcadas E as gestantes abandonadas Não fazem cenas Vestem-se de negro, se encolhem Se conformam e se recolhem Às suas novenas Serenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas
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Cálice - Chico Buarque - Gilberto Gil 1973
Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Como beber dessa bebida amarga Tragar a dor, engolir a labuta Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa De muito gorda a porca já não anda De muito suada a faca já não corta Como é difícil, pai, abrir a porta Essa palavra presa na garganta Esse pileque homérico no mundo De que adianta ter boa vontade Mesmo calado o peito, resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade Talvez o mundo não seja pequeno Nem seja a vida um fato consumado Quero inventar o meu próprio pecado Quero morrer do meu próprio veneno Quero perder de vez tua cabeça Minha cabeça perder teu juízo Quero cheirar fumaça de óleo diesel Me embriagar até que alguém me esqueça
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Morena de Angola - Chico Buarque 1980
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela Será que a morena cochila escutando o cochicho do chocalho Será que desperta gingando e já sai chocalhando pro trabalho Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela Será que ela tá na cozinha guisando a galinha à cabidela Será que esqueceu da galinha e ficou batucando na panela Será que no meio da mata, na moita, a morena inda chocalha Será que ela não fica afoita pra dançar na chama da batalha Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Passando pelo regimento ela faz requebrar o sentinela Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela Será que quando ela vai pra cama a morena se esquece dos chocalhos Será que namora fazendo bochincho com seus penduricalhos Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela Será que ela tá caprichando no peixe que eu trouxe de Benguela Será que tá no remelexo e abandonou meu peixe na tigela Será quando fica choca põe de quarentena o seu chocalho Será que depois ela bota a canela no nicho do pirralho Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Eu acho que deixei um cacho do meu coração na Catumbela Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Morena, bichinha danada, minha camarada do MPLA
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FREDERICO NIETZSCHE Canções do Príncipe Fora da Lei (ou livre como um pássaro)
O imperecível É apenas um símbolo da tua produção! Deus, o insidioso, É obrepção de poeta… A roda do universo Roda de fim em fim: O vingativo chama-lhe Lei, E o louco Jogo. O Jogo do mundo, imperioso, Mistura o ser e a aparência… A eterna loucura Lança-nos nessa confusão. Recentemente, ao repousar Sob espessa folhagem Ouvi bater, tiquetaque, Suavemente, como um compasso. Aborrecido, fiz uma careta, Depois, abandonando-me, Acabei, como um poeta, Por imitar o mesmo tiquetaque. Ouvindo assim, upa, Saltar as sílabas Desatei de repente a rir, Durante um bom quarto de hora, Tu poeta? Tu poeta? Estarás assim mal da cabeça? "Sim, senhor, você é poeta", Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros. Quem espero eu sob este arbusto? Quem estarei a espreitar como um ladrão? Uma palavra? Uma imagem? Logo a minha ruína aparece. Nada do que rasteja, ou que saltite Escapa ao impulso dos meus versos, "Sim, senhor, você é poeta", Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros. A rima é como flecha, Que temor, que tremor, Ao penetrar no coração, Lagarto a contorcer-se! Morrereis assim, pobres diabos, Ou ficareis embriagados, "Sim, senhor, você é poeta", Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros. Versículos informes que se atropelam, Pequenas palavras loucas, que efervescência Até que, linha a linha, Pendeis todas do meu tiquetaque. Haverá espantalhos A quem isso diverte? Os poetas serão impiedosos? "Sim, senhor, você é poeta", Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros. Troças, Pássaro? Apetece-te rir? O meu cérebro já tão doente, Estará o coração ainda pior? Ah! Receia, teme o meu rancor. Mesmo no íntimo da cólera, O poeta rima a direito. "Sim, senhor, você é poeta", Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros. Eis-me assim neste ramo torso, A balançar o meu cansaço. Um pássaro me convidou Um ninho de pássaros me abriga. Onde estou então? Tão longe, tão longe… O branco mar adormeceu, Vela purpúrea nela se pinta. Uma rocha, figueiras, torre e porto, Idílios, grasnar de patos… Acolhe-me, ó inocência do Sul. Caminhar sempre a passo…que existência! Este " marchar" contínuo soa a alemão e a pesado. Disse ao vento que me levasse, O pássaro ensinou-me a plantar… Passei o mar, para o Sul. Razão! Ó razão importuna! Levas-nos muito depressa ao nosso fim. Mas ao voar aprendi o meu limite… Já sinto coragem, e sangue, e novas seivas Para uma vida nova e para novo jogo… Pensar sozinho, sim, é a sabedoria, Mas cantar sozinho…seria estúpido! Ouvi pois uma canção em vossa honra, E fazei silêncio em redor, Pássaros maldosos. Tão novos, tão falsos, tão vagabundos, Pareceis-me feitos para o amor E para todos os belos passatempos? No Norte – hesito em confessá-lo - Amei uma horrível velha: Davam-lhe o nome de " Verdade". Enquanto o meu corpo for belo É pecado ser piedosa, É sabido que Deus gosta das mulheres, E das bonitas sobretudo. Ele perdoará, tenho a certeza, Facilmente ao pobre fradezinho Que tanto procura a minha companhia Como muitos outros fradezinhos. Não é um velhorro padre da Igreja Não, é jovem, muitas vezes vermelho, Muitas vezes, apesar da mais cinzenta tristeza, Pleno de desejo e de ciúme. Não gosto dos velhos, Ele não gosta das velhas: Que admiráveis e sábios São os caminhos do Senhor! A Igreja sabe viver, Sonda os corações e os rostos, Insiste em perdoar-me… Quem não perdoará, então? Três palavras na ponta da língua, Uma reverência e ide embora: O pecado deste minuto Apagará o antigo. Bendito seja Deus na Terra, Gosta de raparigas bonitas E perdoa de bom grado Os tormentos do amor. Enquanto o meu corpo for belo É pena ser piedosa; Case o diabo comigo Quando eu já não tiver dentes. Na noite passada, quando tudo dormia, E já se ouviam passar Os suspiros incertos do vento, O travesseiro não me deu repouso Nem a dormideira, nem o que dá também O sono solto: a boa consciência. Enfim, renunciei ao repouso, Corri para a praia, A Lua brilhava, era a noite suave, e vi, Na areia quente, o homem e o barco. Dormitavam os dois, pastor e ovelha… Sonolento, o barco afastou-se. Uma hora passou, talvez bem umas duas, Ou talvez um ano? De repente Os meus sentidos naufragaram Numa eterna inconsciência E abriu-se um abismo, sem fundo… Tinha acabado… …Chega a manhã: em negras profundezas Uma barca flutua, em repouso, calma, calma… Que se passou ?, grita uma voz, logo cem. Que houve? Sangue, um drama?... Não…Dormíamos, estávamos todos a dormir… Ah! Como era bom, dormíamos tão bem! (e o poeta cai na armadilha) Ó maravilha! Voará ainda? Sobe e as suas asas não se mexem? Quem é então que o leva e faz subir? Que fim tem ele, caminho ou rédea, agora? Como a estrela e a eternidade Vive nas alturas de que se afasta a vida, Compassivo, mesmo para com a inveja… E quem o vê subir sobe também alto. Ó albatroz! Ó minha ave! Um desejo eterno me empurra para os cimos. Pensei em ti e chorei, Chorei mais e mais…Sim, eu amo-te! Canção de um carneiro de Teócrito Jazo, roído pela doença, E devorado pelos percevejos, É, lá em cima, estas luzes, este rumor! Ouço-os e estão a dançar… Ela devia, a esta hora, Deslizar até mim, Espero-a como um cão… Nada se anuncia. Esse sinal-da-cruz a prometer… Como pôde ela mentir? -Correrá atrás de cada um Como as nossas cabras? De onde lhe vem o vestido de seda? Ah! Ah! Minha altiva criança! Há ainda então muitos bodes Nesta floresta? Ai de mim, como a espera amorosa Me torna mau e venenoso! Assim cresce, uma noite húmida, Um cogumelo venenoso no jardim. O amor rói-me, rói-me Como lepra… Nada mais posso comer, Adeus, minhas cebolas! A Lua já se deitou no mar, Todas as estrelas estão cansadas, O dia chega, dia cinzento… Ah! Como eu queria morrer… Quero um mal de morte A estas almas incertas. Tortura-as a honra que vos fazem, Pesam-lhes, dão-lhe vergonha os seus louvores. Porque não vivo Preso à sua trela, Saúdam-me com um olhar agridoce. Onde passa uma inveja sem esperança. Ah! Porque não me amaldiçoam! Porque não me viram francamente as costas! Aqueles olhos suplicantes e extraviados Hão-de enganar-se sempre a meu respeito. Ai de mim! O que escrevi na mesa e na parede, Com o meu coração de louco, com a minha mão {de louco, Devia decorar para mim mesa e parede?... Mas vós dizeis:" As mãos de louco sarrabiscam; É necessário purificar mesa e parede De todos os riscos, até ao mais pequeno." Dai-me licença! Vou dar-vos uma ajuda, Aprendi a trabalhar com a esponja e a vassoura Como crítico, como varredor. Mas quando o trabalho estiver acabado, Gostarei muito de vos ver, a vós supersábios, Gag…de sabedoria, mesa e parede. (ou: como se consolam os poetas) Ó feiticeira do Tempo de líquidas salivas As horas escoam-se da tua boca, E sucedem-se lentamente E em vão o meu nojo uiva: "Maldito, maldito, seja o abismo Da eternidade!" O mundo…é de bronze: Um touro furioso é surdo a todos os gritos. A dor escreve nos meus ossos Com punhais que saltam: "O mundo não tem coração, Seria uma loucura não gostar dele por isso." Derrama, ó febre, as tuas dormideiras, o teu veneno, {no meu cérebro! Há muitíssimo tempo que interrogas a minha mão; Há muitíssimo tempo que indagas a minha fronte. Que queres tu? "Por…quanto?" - Maldita sejas, rapariga abjecta! Maldita seja a tua zombaria! Não, volta. Faz frio lá fora, ouço a chuva… Devia ser talvez mais terno contigo? -Olha, toma! Aqui tens ouro: como a moeda {brilha! Chamar-te a ti, felicidade Chamar-te, febre, e abençoar-te? A porta abre-se numa rajada A chuva salta até ao meu leito. Apaga-se-me o candeeiro…Tudo é desgraça… Quem não dispuser agora de cem rimas Aposto, ó sim, aposto! Que vai deixar aí a pele! Revejo os pombos de São Marcos: A praça está silenciosa; ali se repousa a manhã. Indolentemente envio os meus cantos para o seio {da sua suave frescura, Como enxames de pombos para o azul Depois torno a chamá-los Para prender mais uma rima às suas penas. - Ó minha felicidade! Ó minha felicidade! Calmo céu, céu azul – claro, céu de seda, Planas, protector, sobre o edifício multicor De que gosto, que digo eu?...Que receio, que {invejo… Como seria feliz bebendo-lhe a alma! Alguma vez lha devolveria? Não, não falemos disso, ó maravilha dos olhos! - Ó minha felicidade ! Ó minha felicidade! Severa torre, que impulso leonino Te levantou ali, triunfante e sem custo! Dominas a praça, com o som profundo dos teus {sinos… Serias, em francês, o seu " accente aigu"! Se, como tu, eu ficasse aqui, Saberia a seda que me prende… - Ó minha felicidade! Ó minha felicidade! Afasta-te, música. Deixa primeiras as sombras en- {grossar E crescer até à noite escura e tépida. É ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de {ouro Ainda não cintilam no seu esplendor de rosa; Resta ainda muito dia, Muito dia para os poetas, fantasmas e solitários. - Ó minha felicidade! Ó minha felicidade! É lá abaixo que quero ir: e de ora em diante creio {em mim E nos meus talentos de piloto. O mar abre-se para mim, no azul Me leva o barco genovês. Tudo cintila para mim com um esplendor novo, Meio-dia repousa no espaço e no tempo… Só o teu olhar, formidavelmente, Me fita, ó eternidade! Era aqui que eu esperava, que eu esperava, não {esperando nada Para além do bem e do mal, gozando com a luz, Ora com a sombra, abstraindo de mim, todo o jogo, {puro jogo, Todo lago, todo meio-dia, tempo sem fim. Quando, de repente, amiga, um foi dois… E Zaratustra passou por mim. (Canção para dançar) Ó mistral, caçador de nuvens, Matador de melancolia, varredor do céu, Ó mugidor, como gosto de ti! Não somos um e outro Primo-nados de um mesmo seio, À mesma sorte eternos predestinados? É aqui, pelos atalhos lisos do rochedo, Que acorro para ti dançando Sob os teus assobios, sob os teus cantos; Tu que, sem navio e sem remos, Te lanças para os mares selvagens, Ó tu, irmão mais livre Da liberdade! Mal desperto, ouvi um apelo, Saltei até à falésia, Até ao muro amarelo do mar. Saúde! Já, semelhante às vagas Adamantinas das torrentes luminosas, Descias vitoriosamente da montanha. Na arena unida dos céus Vi galopar os teus cavalos, Vi o carro que te arrasta, Vi a tua mão fremente Quando no dorso dos cavalos Deixa cair o relâmpago do chicote… Vi-te saltar do carro Para acelerar a corrida, Vi-te como flecha Tombar inteiro no espaço, Como raio de ouro que trespassa As rosas da primeira aurora. Dança agora sobre mil cristas, Dorsos das vagas, vagas astutas… Saúde a quem cria danças novas! Dancemos portanto de mil maneiras, E digam que a nossa arte é livre, Gaia a nossa Ciência! Arranquemos a todas as plantas Uma flor para a nossa glória, Duas folhas para os nossos louros, Dancemos, tais trovadores, No meio dos santos e das putas, A dança entre o mundo e Deus! Quem não sabe com os ventos Dançar, e tropeça, Troca os pés como um velho, Obrigai-o a sair da roda! Para trás todos os Tartufos E carneiros da virtude. Varramos em turbilhões A poeira do caminho No nariz de todos os doentes, Espantemos os débeis! Purifiquemos a costa inteira Do hálito dos peitos acanhados, Expulsemos os olhos sem coragem. Expulsemos os que perturbam o céu E neles espalham o escuro e as nuvens, Clarifiquemos o reino dos céus! Mujamos…livre espírito entre os espíritos livres, A minha felicidade, como a tempestade, Muge em duo a teu lado. - Para que se conserve para sempre A memória de tal felicidade, Recebe como herança, A coroa que tens aqui. Atira-a cada vez mais alto, Mais alto, mais longe, mais ao largo, Lança-te ao assalto dos céus, Pendura-a nas estrelas! Poesia recolhida em apêndice à " Gaia Ciência" de Frederico Nietzsche, da responsabilidade de LITET/1210 em 27 de Fevereiro de 2002.
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