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LISTA DE POETAS POR ORDEM ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME E alegre se fez triste - Manuel Alegre
Aquela clara madrugada que Viu lágrimas correrem do teu rosto E alegre se fez triste como se Chovesse de repente em pleno Agosto. Ela só viu meus dedos nos teus dedos Meu nome no teu nome. E demorados Viu nossos olhos juntos nos segredos Que em silêncio dissemos separados. A clara madrugada em que parti. Só ela viu teu rosto olhando a estrada Por onde um automóvel se afastava. E viu que a Pátria estava toda em ti. E ouviu dizer-me adeus: essa palavra Que fez tão triste a clara madrugada.
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Eu não tenho vistas largas Nem grande sabedoria, Mas dão-me as horas amargas Lições de filosofia.
Há lutas por mil doutrinas. Se querem que o mundo ande, Façam das mil pequeninas Uma só doutrina grande.
Da guerra os grandes culpados Que espalham a dor da terra, São os menos acusados Como culpados da guerra.
Se os homens chegam a ver Por que razão se consomem, O homem deixa de ser O lobo do outro homem.
Embora os meus olhos sejam Os mais pequenos do mundo, O que importa é que eles vejam O que os homens são no fundo.
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Caixinha de música - Matilde Rosa Araújo
Grilo, grilarim, Tens um canto azul Na noite de cetim! Cigarra, cigarraia, Tens um canto branco No dia de cambraia! Formiga, miga, miga, Só tu cantas os nadas Do silêncio do Sol, Das estrelas caladas...
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Loas à chuva e ao vento - Matilde Rosa Araújo
Chuva, porque cais? Vento, aonde vais? Pingue... Pingue... Pingue... Vu... Vu...Vu... Chuva, porque cais? Vento, aonde vais? Pingue... Pingue... Pingue... Vu... Vu...Vu... Ó vento que vais, Vai devagarinho. Ó chuva que cais, Mas cai de mansinho. Pingue... Pingue... Vu... Vu… Muito de mansinho Em meu coração Já não tenho lenha Nem tenho carvão... Pingue... Pingue... Vu... Vu… Que canto tão frio, Que canto tão terno, O canto da água, O canto do Inverno... Pingue... Que triste lamento, Embora tão terno, O canto do vento O canto do Inverno... Vu... E os pássaros cantam E as nuvens levantam.
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O pardalzinho - Manuel Bandeira
O pardalzinho nasceu Livre. Quebraram-lhe a asa. Sacha lhe deu uma casa, Água, comida e carinhos. Foram cuidados em vão: A casa era uma prisão, O pardalzinho morreu. O corpo Sacha enterrou No jardim; a alma, essa voou Para o céu dos passarinhos!
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Contam que certa raposa, Andando muito esfaimada, Viu roxos, maduros cachos Pendentes de alta latada. De bom grado os trincaria, Mas sem lhes poder chegar, Disse: "Estão verdes, não prestam, Só os cães os podem tragar!" Eis cai uma parra, quando Prosseguia seu caminho, E, crendo que era algum bago, Volta depressa o focinho.
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(tradução de La Fontaine)
É fama que estava o corvo Sobre uma árvore pousado E que no sôfrego bico Tinha um queijo atravessado. Pelo faro, àquele sítio Veio a raposa matreira, A qual, pouco mais ou menos, Lhe falou desta maneira: - Bons dias, meu lindo corvo; És glória desta espessura; És outra fénix, se acaso Tens a voz como a figura. A tais palavras, o corvo, Com louca, estranha afouteza, Por mostrar que é bom solista Abre o bico e solta a presa. Lança-lhe a mestra o gadanho E diz: - Meu amigo, aprende Como vive o lisonjeiro À custa de quem o atende. Esta lição vale um queijo; Tem destas para teu uso. Rosna então consigo o corvo Envergonhado e confuso: - Velhaca, deixou-me em branco; Fui tolo em fiar-me dela; Mas este logro me livra De cair noutra esparrela.
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A beleza Sempre foi Um motivo secundário No corpo que nós amamos; A beleza não existe, E quando existe não dura. A beleza Não é mais do que o desejo Fremente Que nos sacode... - O resto, é literatura.
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Não me peças mais canções - António Botto
Não me peças mais canções Porque a cantar vou sofrendo; Sou como as velas do altar Que dão luz e vão morrendo. Se a minha voz conseguisse Dissuadir essa frieza E a tua boca sorrisse! Mas sóbria por natureza Não a posso renovar E o brilho vai-se perdendo... - Sou como as velas do altar Que dão luz e vão morrendo.
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Rosa. Chamam-te Rosa, minha preta formosa, E na tua negrura Teus dentes se mostram sorrindo. Teu corpo baloiça, caminhas dançando, Minha preta formosa, lasciva e ridente Vais cheia de vida, vais cheia de esperança Em teu corpo correndo a seiva da vida Tuas carnes gritando E teus lábios sorrindo... Mas temo a tua sorte na vida que vives, Na vida que temos.. Amanhã terás filhos, minha preta formosa E varizes nas pernas e dores no corpo; Minha preta formosa já não serás Rosa, Serás uma negra sem vida e sofrente, Serás uma negra E eu temo a sua sorte. Minha preta formosa não temo a tua sorte, Que a vida que vives não tarda a findar... Minha preta formosa, amanhã terás filhos Mas também amanhã... ... amanhã terás vida!
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Um dia, A menina Gotinha de Água, Vestida de esmeralda E luar, estava a dormir, A sonhar A flor Do mar. Então, O Sol Beijou-a Na face, E logo ela Como se voasse Subiu no ar. Como se sentia leve! Subiu, Subiu, Subiu Até que se viu Numa nuvem Cor-de-rosa.
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Cantiga, partindo-se - João Roiz de Castell-Branco (séc. XV)
Senhora, partem tam tristes Meus olhos por vós, meu bem, Que nunca tam tristes vistes Outros nenhuns por ninguém. Tam tristes, tam saudosos, Tam doentes da partida, Tam cansados, tam chorosos, Da morte mais desejosos Cem mil vezes que da vida. Partem tam tristes os tristes, Tam fora d'esperar bem, Que nunca tam tristes vistes Outros nenhuns por ninguém.
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Estou sempre muito longe. Dizem qualquer coisa e eu pergunto: - Quê? Pergunto sempre: - Quê? Não sei porquê. O meu amigo V Zanga-se e diz: És surdo ou quê? E eu repondo sinceramente: - Sou quê.
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Abri minha janela ao vento norte - Ruy Cinatti
Abri minha janela ao vento norte A ver se o frio me acordava De um sonho em que eu próprio duvidava. - No céu brilhavam estrelas mais que nunca. Em vão, desde então, eu procurei Lembrar o seu olhar, a sua imagem Tão bela, tão perfeita, mais miragem. - No céu brilhavam estrelas mais que nunca.
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Como tudo Hás-de chegar com o corpo Encostado ao rosto Da cidade. Com teus olhos Decididamente tristes Vens tomar a minha mão Dar-lhe o gosto das cerejas E levá-la ao teu Mais secreto descaminho. Hás-de chegar Nas asas do silêncio Tão mansa como a tarde Que se esvai Entornando sobre o chão O perfil agudo das paredes. Chegas hoje ou amanhã Quem sabe? Hás-de chegar de surpresa Como sempre Desviando o sentido dos relógios E pedindo que o desejo Se vista de veludo.
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Elefantemos portanto. Deixemos esta tão precária pele Aprender outros saberes Deixemos Portantomente O olhar do paquiderme Ensinar ao passarinho As paisagens do deslumbre Das escritas mais antigas. Permitamos que o vento sopre. E que a pedra exista. E que o sol dispare a sua fúria Em todas as direcções. E que a lua se entretenha No seu jogo de brilhar. Elefantemos portanto. Ou, Melhor dizendo, Permitamos que um silêncio muito antigo Venha Carregado de silvos e sussurros Venha Conduzir-nos a palavra Pelas veredas impalpáveis Do mistério.
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Romance ingénuo de duas linhas paralelas - José Fanha
Duas linhas paralelas Muito paralelamente Iam passando entre estrelas Fazendo o que estava escrito: Caminhando eternamente de infinito a infinito Seguiam-se passo a passo Exactas e sempre a par Pois só num ponto do espaço Que ninguém sabe onde é Se podiam encontrar Falar e tomar café. Mas farta de andar sozinha Uma delas certo dia Voltou-se para a outra linha Sorriu-lhe e disse-lhe assim: "Deixa lá a geometria E anda aqui para o pé de mim...! Diz a outra: "Nem pensar! Mas que falta de respeito! Se quisermos lá chegar Temos de ir devagarinho Andando sempre a direito Cada qual no seu caminho!" Não se dando por achada Fica na sua a primeira E sorrindo amalandrada Pela calada, sem um grito Deita a mãozinha matreira Puxa para si o infinito. E com ele ali à frente As duas a murmurar Olharam-se docemente E sem fazerem perguntas Puseram-se a namorar Seguiram as duas juntas. Assim nestas poucas linhas Fica uma estória banal Com linhas e entrelinhas E uma moral convergente: O infinito afinal Fica aqui ao pé da gente.
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Menina dos olhos tristes - Reinaldo Ferreira
Menina dos olhos tristes O que tanto a faz chorar? - O soldadinho não volta Do outro lado do mar. Senhora de olhos cansados, Por que a fatiga o tear? - O soldadinho não volta Do outro lado do mar. Vamos senhor pensativo, Olhe o cachimbo a apagar. - O soldadinho não volta Do outro lado do mar. Anda bem triste um amigo, Uma carta o fez chorar. - O soldadinho não volta Do outro lado do mar. A Lua, que é viajante, É que nos pode informar. - O soldadinho já volta Do outro lado do mar. O soldadinho já volta Está mesmo a chegar. Vem numa caixa de pinho. Desta vez o soldadinho Nunca mais se faz ao mar.
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A mãe negra embala o filho. Canta a remota canção Que seus avós já cantavam Em noites sem madrugada. Canta, canta para o céu Tão estrelado e festivo. É para o céu que ela canta, Que o céu Às vezes também é negro. No céu Tão estrelado e festivo Não há branco, não há preto, Não há vermelho e amarelo. - Todos são anjos e santos Guardados por mãos divinas. A mãe negra não tem casa Nem carinhos de ninguém... A mãe negra é triste, triste, E tem um filho nos braços... Mas olha o céu estrelado E de repente sorri. Parece-lhe que cada estrela É uma mão acenando Com simpatia e saudade...
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Nove casas, Duas ruas, Ao meio das ruas Um largo, Ao meio do largo Um poço de água fria. Tudo isto tão parado E o céu tão baixo Que quando alguém grita para longe Um nome familiar Se assustam pombos bravos E acordam ecos no descampado.
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A minha história - Sebastião da Gama
A minha história é simples A tua, meu Amor, É bem mais simples ainda: "Era uma vez uma flor. Nasceu à beira de um Poeta..." Vês como é simples e linda? (O resto conto depois; Mas tão a sós, tão de manso, Que só escutemos os dois.)
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Elegia segunda - Sebastião da Gama
Todos os pássaros, todos os pássaros Asas abriam, erguiam cantos, De Amor cantavam. Todos os homens, todos os homens, De almas abertas, de olhos erguidos, De Amor cantavam. De Amor cantavam todos os rios, Todas as serras, todas as flores, Todos os bichos, todas as árvores, Todo os pássaros, todos os pássaros, Todos os homens, todos os homens. De Amor cantavam...
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O tempo e a vida - Sebastião da Gama
Que bom ter o relógio adiantado!... A gente assim, por saber Que tem sempre tempo a mais, Não se rala nem se apressa. O meu sorriso de troça, Amigos, Quando vejo o meu relógio Com três quartos de hora a mais!... Tic-tac... Tic-tac... (Lá pensa ele Que é já o fim dos meus dias) Tic-tac... (Como eu rio, cá p´ra dentro, De esta coisa divertida: Ele a julgar que é já o resto E eu a saber que tenho sempre mais Três quartos de hora de vida).
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Quando eu nasci - Sebastião da Gama
Quando eu nasci, Ficou tudo como estava. Nem homens cortaram veias, Nem o Sol escureceu, Nem houve Estrelas a mais... Somente, Esquecida das dores, A minha Mãe sorriu e agradeceu. Quando eu nasci, Não houve nada de novo Senão eu. As nuvens não se espantaram, Não enlouqueceu ninguém... P'ra que o dia fosse enorme, Bastava Toda a ternura que olhava Nos olhos de minha Mãe...
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Pescador da barca bela, Onde vais pescar com ela. Que é tão bela, Oh pescador? Não vês que a última estrela No céu nublado se vela? Colhe a vela, Oh pescador! Deita o lanço com cautela, Que a sereia canta bela... Mas cautela, Oh pescador! Não se enrede a rede nela, Que perdido é remo e vela Só de vê-la, Oh pescador. Pescador da barca bela, Inda é tempo, foge dela Foge dela Oh pescador!
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Este inferno de amar - Almeida Garrett
Este inferno de amar - como eu amo! Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi? Esta chama que alenta e consome, Que é a vida - e que a vida destrói - Como é que se veio a atear, Quando - ai quando se há-de ela apagar? Eu não sei, não me lembra: o passado, A outra vida que d'antes vivi Era um sonho talvez... - foi um sonho - Em que paz tão serena a dormi! Oh! que doce era aquele sonhar... Quem me veio, ai de mim! despertar? Só me lembra que um dia formoso Eu passei... dava o sol tanta luz! E os meus olhos, que vagos giravam, Em seus olhos ardentes os pus. Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei; Mas nessa hora a viver comecei...
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Impressão digital - António Gedeão
Os meus olhos são uns olhos. E é com esses olhos uns Que eu vejo no mundo escolhos Onde outros com outros olhos, Não vêem escolhos nenhuns. Quem diz escolhos diz flores. De tudo o mesmo se diz. Onde uns vêem luto e dores Uns outros descobrem cores Do mais formoso matiz. Nas ruas ou nas estradas Onde passa tanta gente, Uns vêem pedras pisadas, Mas outros, gnomos e fadas Num halo resplandecente. Inútil seguir vizinhos, Querer ser depois ou ser antes. Cada um é seus caminhos. Onde Sancho vê moinhos D. Quixote vê gigantes. Vê moinhos? São moinhos. Vê gigantes? São gigantes.
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Lágrima de preta - António Gedeão
Encontrei uma preta Que estava a chorar, Pedi-lhe uma lágrima Para a analisar. Recolhi a lágrima Com todo o cuidado Num tubo de ensaio Bem esterilizado. Olhei-a de um lado, Do outro e de frente: Tinha um ar de gota Muito transparente. Mandei vir os ácidos, As bases, os sais, As drogas usadas Em casos que tais. Ensaiei a frio, Experimentei ao lume, De todas as vezes Deu-me o que é costume: Nem sinais de negro, Nem vestígios de ódio, Água (quase tudo) E cloreto de sódio.
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Poema da Auto-Estrada - António Gedeão
Voando vai para a praia Leonor na estrada preta. Vai na brasa, de lambreta. Leva calções de pirata, Vermelho de alizarina, modelando a coxa fina De impaciente nervura. Como guache lustroso, Amarelo de indantreno, Blusinha de terileno Desfraldada na cintura. Fuge, fuge, Leonoreta. Vai na brasa de lambreta. Agarrada ao companheiro Na volúpia da escapada Pincha no banco traseiro Em cada volta da estrada. Grita de medo fingido, Que o receio não é com ela, Mas por amor e cautela Abraça-o pela cintura. Vai ditosa, e bem segura. Como um rasgão na paisagem Corta a lambreta afiada, Engole as bermas da estrada E a rumorosa folhagem. Urrando, estremece a terra, Bramir de rinoceronte, Enfia pelo horizonte Como um punhal que se enterra. Tudo foge à sua volta, O céu, as nuvens, as casas, E com os bramidos que solta Lembra um demónio com asas. Na confusão dos sentidos Já nem percebe, Leonor, Se o que lhe chega aos ouvidos São ecos de amor perdidos Se os rugidos do motor. Fuge, fuge, Leonoreta. Vai na brasa de lambreta.
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É uma palavra. Agora só tu escutas A respiração que a sustenta, uma voz Para sempre esquecida. Sei Que é assim. O que escrevo ainda não existe; O que lês é o resultado dessa ausência. Esclarecimento - Mário Henrique Leiria Quando estamos cansados Deitamos o corpo E adormecemos Às vezes não Procuramos outra mão Outros olhos Que nos limpem a fadiga E evitem o sono Que nos vem antigo Quando estamos cansados Podemos erguer o corpo E acordar E morrer acordados Sem cansaço
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Rifão Quotidiano - Mário Henrique Leiria
Uma nêspera Estava na cama Deitada Muito calada A ver O que acontecia Chegou uma Velha E disse Olha uma nêspera E zás comeu-a É o que acontece Às nêsperas Que ficam deitadas Caladas A esperar O que acontece
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Tempestade - Henriqueta Lisboa
- Menino, vem para dentro, Olha a chuva lá na serra, Olha como vem o vento! - Ah! Como a chuva é bonita E como o vento é valente! - Não sejas doido, menino, Esse vento te carrega, Essa chuva te derrete! - Eu não sou feito de açúcar Para derreter na chuva. Eu tenho força nas pernas Para lutar contra o vento! E enquanto o vento soprava E enquanto a chuva caía, Que nem um pinto molhado, Teimoso como ele só: - Gosto de chuva com vento, Gosto de vento com chuva!
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Não posso adiar o amor para outro século - A. Ramos Rosa
Não posso Ainda que o grito sufoque na garganta Ainda que o ódio estale e crepite e arda Sob montanhas cinzentas E montanhas cinzentas Não posso adiar este abraço Que é uma arma de dois gumes Amor e ódio Não posso adiar Ainda que a noite pese séculos sobre as costas E a aurora indecisa demore Não posso adiar para outro século a minha vida Nem o meu amor Nem o meu grito de libertação Não posso adiar o coração
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Letra para um hino - Manuel Alegre
É possível falar sem um nó na garganta. É possível amar sem que venham proibir. É possível correr sem que seja a fugir. Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta. É possível andar sem olhar para o chão. É possível viver sem que seja de rastos. Os teus olhos nasceram para olhar os astros. Se te apetece dizer não, grita comigo: não! É possível viver de outro modo. É possível transformar em arma a tua mão. É possível viver o amor. É possível o pão. É possível viver de pé. Não te deixes murchar. Não deixes que te domem. É possível viver sem fingir que se vive. É possível ser homem. É possível ser livre, livre, livre.
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Há palavras - Irondino Teixeira Aguiar
Há palavras com o dom De atrapalhar a gente, Pois que, tendo o mesmo som, Têm grafia diferente. Passo, com s dobrado, em de passar - bem sabeis -; Paço, com c cedilhado, É palácio ... mas de reis. Nós, com s é um pronome, E um pronome de primeira; Noz, com z é sempre um nome Pois é fruto de nogueira.
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Timidez - Maria Alberta Menéres
O bicho-de-conta Faz de conta, faz Que é cabeça tonta Mas lá bem no fundo Não é mau rapaz. Se a gente lhe toca, Logo se disfarça: Veste-se de bola. Por mais que se faça Não se desenrola. Lá dentro escondendo Patinhas e rosto É todo um segredo: Se eu fosse menino Comigo brincava Sem medo sem medo.
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