Site hosted by Angelfire.com: Build your free website today!

 

 

poesia101entrada   poesia101topo

Poesia que se gosta...

NOVIDADES

MAPA DO SITE

BUSCA NO SITE

LITERATURA

POESIA

BIOGRAFIAS E BIBLIOGRAFIAS

ESPANÕL

FRANÇAIS

ENGLISH

OPINIOES

GRUPOS - GROUPS

FORUNS MIL

PAGINAS AMIGAS

FORUM BRAVENET

JORNAL DE PAREDE

CHATS

JOGOS

E-MAIL

INSERÇÃO DE SITES

MUNDO NOTICIAS

MOTORES DE BUSCA

DOWNLOADS

WEBMASTERS

TRADUCOES

LISTA DE AUTORES

SOLIDARIEDADE

LISTA DE LINKS

 

LIVRO DE VISITAS

 LIVRE D' OR

 GUESTBOOK

 

 

 

 

LISTA DE POETAS POR ORDEM ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME

Cantiga dos pastores - Adélia Prado

 

À meia noite no pasto,

guardando nossas vaquinhas,

um grande clarão no céu

guiou-nos a esta lapinha.

Achamos este Menino

entre Maria e José,

um menino tão formoso,

precisa dizer quem é?

Seu nome santo é Jesus,

Filho de Deus muito amado,

em sua caminha de cocho

dormia bem sossegado.

Adoramos o Menino

nascido em tanta pobreza

e lhe oferecemos presentes

de nossa pobre riqueza:

a nossa manta de pele,

o nosso gorro de lã,

nossa faquinha amolada,

o nosso chá de hortelã.

Os anjos cantavam hinos

cheios de vivas e améns.

A alegria era tão grande

e nós cantamos também:

Que noite bonita é esta

em que a vida fica mansa,

em que tudo vira festa

e o mundo inteiro descansa?

Esta é uma noite encantada,

nunca assim aconteceu,

os galos todos saudando:

O Menino Jesus nasceu!

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

Cartão de Natal - João Cabral de Melo Neto

 

Pois que reinaugurando essa criança

pensam os homens

reinaugurar a sua vida

e começar novo caderno,

fresco como o pão do dia;

pois que nestes dias a aventura

parece em ponto de voo, e parece

que vão enfim poder

explodir suas sementes:

que desta vez não perca esse caderno

sua atracção núbil para o dente;

que o entusiasmo conserve vivas

suas molas,

e possa enfim o ferro

comer a ferrugem

o sim comer o não.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Novo Amor - Leila Mícollis

 

Meu coração nunca pára

Pra comparar, solta amarras,

Vive seu tempo presente:

Se ferido, em mim se ampara;

Mas quando sara e se sente

Contente, fica eloquente,

Feito algazarra de araras.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Bashô - Manuel Bandeira

Quatro Haicais

 

Quatro horas soaram

Levantei-me nove vezes

Para ver a lua.

 

Fecho a minha porta.

Silencioso vou deitar-me

Prazer de estar só

 

A cigarra... Ouvi:

Nada revela em seu canto

Que ela vai morrer

 

Quimonos secando

Ao sol. Oh aquela manguinha

Da criança morta!

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

 

O Guardador de Rebanhos IX- Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

 

I

Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos

E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos

E com as mãos e com os pés

E com o nariz e com a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la

E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor

Me sinto triste de gozá-lo tanto,

E me deito ao comprido na erva,

E fecho os olhos quentes,

sinto todo o meu corpo deitado na realidade,

Sei a verdade e sou feliz.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

O Próprio Ser Eu Canto - Walt Whitman

 

O próprio ser eu canto:

Canto a pessoa em si, em separado

_ embora use a palavra Democracia

e a expressão Massa.

Eu canto o Corpo

Da cabeça aos pés:

Nem só o cérebro

Nem só a fisionomia

Tem valor para a Musa

_ digo que a forma completa

é muito mais valiosa,

e tanto a Fêmea quanto o

Macho eu canto.

A vida plena de paixão,

Força e pulsam,

Preparada para as acções mais livres

Com suas leis divinas

_O Homem Moderno eu canto.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Architectura - Soares Feitosa

 

Um dia, Ela

desenhará em chãos longínquos a casa só nossa,

que eu farei com estas mãos.

Os tijolos, eu os amassarei com os meus pés.

Às telhas —

hei de aprontar o barro mais macio,

e as formas serão por mim,

uma a uma, completadas;

Ela as alisará longamente, —

seus dedos molhados de um profundo silêncio:

só os pássaros.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Outros Terão - Fernando Pessoa

 

Outros terão

Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.

A inteira, negra e fria solidão

Está comigo.

A outros talvez

Há alguma coisa quente, igual, afim

No mundo real. Não chega nunca a vez

Para mim.

"Que importa?"

Digo, mas só Deus sabe que o não creio.

Nem um casual mendigo à minha porta

Sentar-se veio.

"Quem tem de ser?"

Não sofre menos quem o reconhece.

Sofre quem finge desprezar sofrer

Pois não esquece.

Isto até quando?

Só tenho por consolação

Que os olhos se me vão acostumando

À escuridão.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Ah quanta melancolia! - Fernando Pessoa

 

Ah quanta melancolia!

Quanta, quanta solidão!

Aquela alma, que vazia,

Que sinto inútil e fria

Dentro do meu coração!

Que angústia desesperada!

Que mágoa que sabe a fim!

Se a nau foi abandonada,

E o cego caiu na estrada -

Deixai-os, que é tudo assim.

Sem sossego, sem sossego,

Nenhum momento de meu

Onde for que a alma emprego -

Na estrada morreu o cego

A nau desapareceu.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Minha mulher a solidão - Fernando Pessoa

 

Minha mulher, a solidão,

Consegue que eu não seja triste.

Ah, que bom é o coração

Ter este bem que não existe!

Recolho a não ouvir ninguém,

Não sofro o insulto de um carinho

E falo alto sem que haja alguém:

Nascem-me os versos do caminho.

Senhor, se há bem que o céu conceda

Submisso à opressão do Fado,

Dá-me eu ser só - veste de seda -,

E fala só - leque animado.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Por quem foi que me trocaram? - Fernando Pessoa

 

Por quem foi que me trocaram

Quando estava a olhar pra ti?

Pousa a tua mão na minha

E, sem me olhares, sorri.

Sorri do teu pensamento

Porque eu só quero pensar

Que é de mim que ele está feito

É que tens para mo dar.

Depois aperta-me a mão

E vira os olhos a mim...

Por quem foi que me trocaram

Quando estás a olhar-me assim?

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Era um caminho - Mário Quintana

 

Era um caminho que de tão velho, minha filha,

já nem mais sabia aonde ia...

Era um caminho

velhinho,

perdido...

Não havia traços

de passos no dia

em que por acaso o descobri:

pedras e urzes iam cobrindo tudo.

O caminho agonizava, morria

sozinho...

Eu vi...

Porque são os passos que fazem os caminhos!

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Science- Fiction I -José Saramago

 

Talvez o nosso mundo se convexe

Na matriz positiva doutra esfera.

Talvez no interspaço que medeia

Se permutem secretas migrações.

Talvez a cotovia, quando sobe,

Outros ninhos procure, ou outro sol.

Talvez a cerva branca do meu sonho

Do côncavo rebanho se perdesse.

Talvez do eco dum distante canto

Nascesse a poesia que fazemos.

Talvez só amor seja o que temos,

Talvez a nossa coroa, o nosso manto.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Falavam-me de amor - Natália Correia

 

Quando um ramo de doze badaladas

se espalhava nos móveis e tu vinhas

solstício de mel pelas escadas

de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas

porque do fogo o nome antigo tinhas

e em sua eternidade colocavas

o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias

de trezentos e muitos lerdos dias

e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta

e no manso natal que te conserta

só tu ficaste a ti acostumado.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Rasto - Miguel Torga

 

Semeador de versos? Quem me dera!

Não haveria homem mais feliz.

Ter o espírito em flor na primavera,

E o corpo, no inverno, com raiz.

Não.

Retalho apenas a desilusão...

À teimosa procura

Dum singular e único sinal

Que todo me defina e me resuma,

Vou desfolhando a rosa da expressão

E deixando no chão

Caídas as palavras, uma a uma.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Não quero rosas - Fernando Pessoa

 

Não quero rosas, desde que haja rosas.

Quero-as só quando não as possa haver.

Que hei-de fazer das coisas

Que qualquer mão pode colher?

Não quero a noite senão quando a aurora

A fez em ouro e azul se diluir.

O que a minha alma ignora

É isso que quero possuir.

Para quê?... Se o soubesse, não faria

Versos para dizer que inda o não sei.

Tenho a alma pobre e fria...

Ah, com que esmola a aquecerei?...

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Caminho sem pés e sem sonhos - Daniel Faria

 

Caminho sem pés e sem sonhos

só com a respiração e a cadência

da muda passagem dos sopros

caminho como um remo que se afunda.

os redemoinhos sorvem as nuvens e os peixes

para que a elevação e a profundidade se conjuguem.

avanço sem jugo e ando longe

de caminhar sobre as águas do céu.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

A Meu Favor - Alexandre O'Neill

 

A meu favor

Tenho o verde secreto dos teus olhos

Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor

O tapete que vai partir para o infinito

Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor

As paredes que insultam devagar

Certo refúgio acima do murmúrio

Que da vida corrente teime em vir

O barco escondido pela folhagem

O jardim onde a aventura recomeça.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Domingo soalheiro - Sueli Martinho

 

Para mim, Bach

é um caso de Paixão.

Arromba-me a porta da alma.

Perto da intimidade,

adoça-me a revolta.

Ilumina-me o silêncio.

Engana-me o tempo.

Há uma vide purpurina a emprestar outono a um vitral primaveril.

Entre os graves frios e os rigorosos calores.

Um arrepio morno no calmo e secreto limite de tudo.

Na toma de mim.

Há ainda um sino que dobra,

matinal,

no campanário barroco da igreja matriz.

Uma saudade que vibra num choupo dourado.

Um queixume que espevita na serpente impávida do rio.

No aroma desperto do vinho.

Há um intenso azul a tingir, sem vergonha, o céu.

Uma nuvem fugaz que se dissipa apressada.

Um pedaço de Sol na teimosia de zénite.

No cedo da sede.

No último lamento do Verão.

E é este suspiro do tempo

que fustiga a sintonia dos objectos,

geometricamente arrumados.

E enaltece o que não tem textura

ou explicação.

Regresso a Bach.

E tudo é luz.

Saudade.

Doçura.

Os objectos arrumei-os eu.

Assim, geométricos.

Mas só a música é minha.

O espreguiçar dos sons,

nas cores de um afecto sem tempo.

Como é minha!

E é canto de aves numa sedução tardia.

E é paz.

Um pacífico êxtase que tudo justifica.

Feérico e verdadeiro, apesar de longínquo.

Perfeito!

Uma certeza para as horas envenenadas:

Esta sou eu perante o pão de Bach,

derramada nas palavras penitentes

de um domingo soalheiro.

Amen.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Herdar - António Luís Mouta

 

Dinheiro, não, mas alegria.

A difícil. Fantástica alegria

das coisas muito simples e concretas:

a moldura de um gesto,

um copo de água,

uma gota de música

e de sol.

(...)

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

 

"Paraíso"-David Mourão Ferreira

 

Deixa ficar comigo a madrugada,

para que a luz do Sol me não constranja.

Numa taça de sombra estilhaçada,

deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,

onde eu ouça o estertor de uma gaivota...

Crepite, em derredor, o mar de Agosto...

E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho

que acendas, para tudo ser perfeito,

à cabeceira a luz do teu joelho,

entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso

para a minha ilusão do Paraíso.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

Naturalidade - Rui Knopfli

 

Europeu, me dizem.

Eivam-me de literatura e doutrina

europeias

e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem raiz a raiz de algum

pensamento europeu.

É provável ... Não. É certo,

mas africano sou.

Pulsa-me o coração ao ritmo dolente

desta luz e deste quebranto.

Trago no sangue uma amplidão

de coordenadas geográficas e mar Índico.

Rosas não me dizem nada,

caso-me mais à agrura das micaias

e ao silêncio longo e roxo das tardes

com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.

Mas dentro de mim há savanas de aridez

e planuras sem fim

com longos rios langues e sinuosos,

uma fita de fumo vertical,

um negro e uma viola estalando.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Nenhum Monumento - Rui Knopfli

 

Não são aparentes em ti as marcas da grandeza,

nenhum monumento desfigura

ou altera a monotonia sem convulsões

do teu rosto quase anónimo.

A escassez de ogivas, arcobotantes,

rosáceas, burilados portais, cobra-la tu

na gravidade das tuas sombras

e do teu silêncio. Não vem sequer

da tua voz a opressão que cerra

as almas de quantos de ti

se acercam. Não demonstras,

não afirmas, não impões.

Elusiva e discretamente altiva,

fala por ti apenas o tempo.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Lar de papel - Carlos Queiroz

 

Eis que regresso e vos pergunto:

Virei modificado?

Mais simples? mais humanizado ?

Ou serei para vós como um defunto

Inutilmente ressuscitado?

Perdão, se venho sem loucura!

Deveria, decerto, regressar

A correr, a gritar, a suar, a sangrar...

E com um brilho no olhar

(O brilho de quem acha o que procura).

Não trago o som da vaga que rebenta,

Mas secretos marulhos ciciados,

Sonhos ainda quentes da placenta.

- nem grandes penas minha mente aumenta,

Como fazem, à volta, os exilados.

O meu lar de papel inda está quente?

Quanta vez a poesia diz à gente,

Como a vida aos mendigos: Paciência!...

Mas maior é a dor de quem pressente(*)

Que ninguém deu p’la sua ausência.

Ah, que este simples alibi: Andei,

Por onde tanto sofre o servo como o rei,

Humanamente vos faça

Perdoar-me esta mordaça

Com que parti e voltei!

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Estival - Rui Knopfli

 

Entre uma data e outra

a leitura dos gregos. Eles

sabiam-no. Por isso

me comove a visão

da primeira vinha.

O vinho bebo-o, cor de cravo,

em mesa de granito

por entre a espiral das cepas,

aroma acidulado rescendendo

ao paladar da aurora.

De olhos na terra.

Este é o seu sangue.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

"A pedra no caminho"-Rui Knopfli

 

"Toma essa pedra em tua mão,

toma esse poliedro imperfeito,

duro e poeirento. Aperta em

tua mão esse objecto frio,

redondo aqui, acolá acerado.

redondo aqui, acolá acerado.

Segura com força esse granito

bruto. Uma pedra, uma arma

em tua mão. Uma coisa inócua,

todavia poderosa, tensa,

em sua coesão molecular,

em suas linhas irregulares.

Ao meio-dia em ponto, na avenida

ensolarada, tu és um homem

um pouco diferente. Ao meio-dia

na avenida tu és um homem

segurando uma pedra. Segurando-a

com amor e raiva."

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Indício velado - Vitorino Nemésio

 

Não toques, distância, no seu cabelo molhado;

Não lhe mexas. Rosto puro, às aguas posto e preso,

Uma imagem será o seu único peso,

Um pensamento o único beijo que me há dado.

Que o Índico persiga o indício velado;

Decore o Mar Vermelho o forte rosto aceso -

Mas não para morrer: para menos desprezo;

E eu próprio fique em meu amor atenuado.

Oh! platónico amor de ninguém e de alguma,

Espectro que criei e rodeei de lágrimas,

Vénus ainda ao longe no aro da minha espuma!

Imagem, força de vontade, imagem

Viva ou morta, não sei; imagem acre... mas

Verdadeira e suave, isso mais que nenhuma!

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Cárcere - António Salvado

 

O cárcere profundo em que encontro...

O forte muro a esta mágoa preso...

A cicatriz deixada nos meus ombros...

A luz extinta a segredar promessas...

A chaga enorme que me abraça bem,

confuso encantamento sem perdão...

A corroída esperança que retenho

quando levanto num suspiro as mãos...

É destas marcas vivas que o meu ser

tenaz e loucamente se alimenta...

São estes os autênticos prazeres

que as minhas horas sofrem violentas!

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Chamar Pássaros - Dora Ferreira da Silva

 

Chamar pássaros com o alpiste

de amá-los. Eles pousam nos parapeitos. Nem

sombra de medo nessa aproximação.

Quase me sinto gémea do que são parados

à beira da janela ou saltando no telhado

recém-chegados.  A cordialidade dos pássaros é subtil:

afloram o coração de quem os ama.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Flor sem haste - Carlos Queiroz

 

Menina pobre, eu venho agradecer-te

Aquele sorriso bom que me inspiraste,

Quando te vi na rua e julguei ver-te

À flor dum rio, como flor sem haste.

Balouçavas as mãos, como quem vai

Numa estrídula marcha militar.

E um laço nos cabelos, cai-não-cai,

Fugia do compasso, a ralentar.

Passavas pelas montras, como se

Todas as coisas conhecesses bem;

Ou, para alguma teres, pensasses que

Bastaria pedi-la à tua mãe.

Séria. – Somente em teu olhar brilhava

Uma alegria de quem viu no céu

A nuvem mais bonita que lá estava

E o anjo que atrás dela se escondeu.

O que os outros pensaram dos teus modos,

Que importa? Nem teu nome ou tua idade.

Eu venho agradecer-te por nós todos

Essa lição de naturalidade.

Que tu nos destes, ó fresca flor sem haste,

À flor da rua, como á flor dum rio.

- Menina pobre que por nós passaste,

Que tanta gente olhou e ninguém viu.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Erótica - Carlos Queirós

 

A noite descia

como um cortinado

sobre a erva fria

do campo orvalhado.

e eu (fauno em vertigem)

a rondar em torno

do teu corpo virgem,

sonolento e morno,

pensava no lasso

tombar do desejo;

em breve, o cansaço

do último beijo...

E no modo como

sentir menos fácil

o maduro pomo

do teu corpo grácil:

ou sem lhe tocar

– de tanto o querer! –

ficar a olhar,

até o esquecer,

ou como por entre

reflexos do lago,

roçar-lhe no ventre

luarento afago;

perpassando os meus

nos teus lábios húmidos,

meu peito nos teus

brancos

seios

túmidos...

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Ode à Poesia - Pablo Neruda

 

Perto de cinquenta anos

caminhando

contigo, Poesia.

A princípio

me emaranhavas os pés

e eu caía de bruços

sobre a terra escura

ou enterrava os olhos

na poça

para ver as estrelas.

Mais tarde te apertaste

a mim com os dois braços da amante

e subiste

pelo meu sangue

como uma trepadeira.

E logo

te transformaste em taça.

Maravilhoso

foi

ir derramando-te sem que te consumisses,

ir entregando tua água inesgotável,

ir vendo que uma gota

caia sobre um coração queimado

que de suas cinzas revivia.

Mas

ainda não me bastou.

Andei tanto contigo

que te perdi o respeito.

Deixei de ver-te como

náiade vaporosa,

te pus a trabalhar de lavadeira,

a vender pão nas padarias,

a tecer com as simples tecedoras,

a malhar ferros na metalurgia.

E seguiste comigo

andando pelo mundo,

contudo já não eras

a florida

estátua de minha infância.

Falavas

agora

com voz de ferro.

Tuas mãos

foram duras como pedras.

Teu coração

foi um abundante

manancial de sinos,

produziste pão a mãos cheias,

me ajudaste

a não cair de bruços,

me deste companhia,

não uma mulher,

não um homem,

mas milhares, milhões.

Juntos, Poesia,

fomos

ao combate, à greve,

ao desfile, aos portos,

à mina

e me ri quando saíste

com a fronte tisnada de carvão

ou coroada de serragem cheirosa

das serrarias.

Já não dormíamos nos caminhos.

Esperavam-nos grupos

de operários com camisas

recém-lavadas e bandeiras rubras.

E tu, Poesia,

antes tão desventuradamente tímida,

foste

na frente

e todos

se acostumaram ao teu traje

de estrela quotidiana,

porque mesmo se algum relâmpago delatou tua família,

cumpriste tua tarefa,

teu passo entre os passos dos homens.

Eu te pedi que fosses

utilitária e útil,

como metal ou farinha,

disposta a ser arada,

ferramenta,

pão e vinho,

disposta, Poesia,

a lutar corpo-a-corpo

e cair ensanguentada.

E agora,

Poesia,

obrigado, esposa,

irmã ou mãe

ou noiva,

obrigado, onda marinha,

jasmim e bandeira,

motor de música,

longa pétala de ouro,

campana submarina,

celeiro

inextinguível,

obrigado

terra de cada um

de meus dias,

vapor celeste e sangue

de meus anos,

porque me acompanhaste

desde a mais diáfana altura

até a simples mesa

dos pobres,

porque puseste em minha alma

sabor ferruginoso

e fogo frio,

porque me levantaste

até a altura insigne

dos homens comuns,

Poesia,

porque contigo,

enquanto me fui gastando,

tu continuaste

desabrochando tua frescura firme,

teu ímpeto cristalino,

como se o tempo

que pouco a pouco me converte em terra

fosse deixar correndo eternamente

as águas de meu canto.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

A nuvem sobre a Página - António Ramos Rosa

 

Semelhante à imóvel

transparência

à inesgotável face

à pedra larga onde o olhar repousa

Água sombra e a figura

azul quase um jardim por sob a sombra

a iminência viva aérea

de uma folhagem suspensa

na folhagem

Semelhante ao disperso ao ínfimo

chama-se agora aqui o sono de erva

a ligeireza livre

a nuvem sobre a página

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Força te digo - Pedro Tamen

 

Força te digo, a mim: sustenta o norte, ataca o centro

e espera

que a moura chame,

que a lua cresça,

que a tarde atarde as mãos coadas

e o mundo seja areia

onde se afoite a luz e nada se corrompa.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Não me importo com as rimas - Alberto Caeiro

 

Não me importo com as rimas. Raras vezes

Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.

Penso e escrevo como as flores têm cor

Mas com menos perfeição no seu modo de exprimir-se

Porque me falta a simplicidade divina

De ser todo só o meu exterior.

Olho e comovo-me,

Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,

E a minha poesia é natural como o levantar-se o vento...

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

Poema para habitar - Albano Martins

 

Poema para habitar

A casa desabitada que nós somos

pede que a venham habitar,

que lhe abram as portas e as janelas

e deixem passear o vento pelos corredores.

Que lhe limpem os vidros da alma

e ponham a flutuar as cortinas do sangue

– até que uma aurora simples nos visite

com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.

Até que uma flor de incêndio rompa

o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.

Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua

sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Teci durante a noite a teia astuciosa - Miguel Torga

 

Teci durante a noite a teia astuciosa

Dum poema.

Armei o laço ao sol que há-de nascer.

Rede frágil de versos,

É nela que o meu sono se futura

Eterno e natural,

Embalado na própria sepultura,

Vens ou não vens agora, astro real,

Doirar os fios desta baba impura?

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Circo - José Saramago

 

Poeta não é gente, é bicho raro

Que de jaula ou gaiola se escapou

E anda pelo mundo às cabriolas,

Aprendidas no circo que inventou.

Estende no chão a capa que o disfarça,

Faz do peito tambor, e rufa, salta,

É urso bailarino, mono sábio,

Ave de bico torto e pernalta.

Ao fim toca a charanga do poema,

Todo feito de notas arranhadas,

E porque bicho é, bicho ali fica,

A uivar às estrelas desprezadas.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Reza do Chacal na Praia do Namibe - Mayyahk ( Pseudónimo )

 

Sob o azul frio da rosa praia do esqueleto,

nesse deserto sem regresso e sem começo,

conhece a frágil foca cria o férreo preço

da estranha sede do chacal de dorso preto.

«Rego com o sangue da pequena foca triste

as dunas onde planto os ossos de gaivota,

e nesta horta a noite é dócil e derrota

o vento vil que contra o sonho não resiste.

Não chores, oh pequena foca triste, não

chores. Dos ossos da gaivota nascerão

caras de peixe, e dessas máscaras de mágoa,

sete ribeiros quais teus olhos doce água.»

Silêncio e noite no Namibe areal…

um oásis grita no uivo do chacal.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Casa de sol onde os animais pensam - António Ramos Rosa

 

Casa de sol onde os animais pensam

erguida nos ares com raízes na terra

ampla e pequena como um pagode

com salas nuas e baixas camas

casa de andorinhas e gatos nos sótãos

grande nau navegando imóvel

num mar de ócio e de nuvens brancas

com antigos ditados e flores picantes

com frescura de passado e pó de rebanhos

ó casa de sonos e silêncios tão longos

e de alegrias ruidosas e pães cheirosos

ócasa onde se dorme para renascer

ó casa onde a pobreza resplende de fartura

onde a liberdade ri segura

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

Com Palavras - Egito Gonçalves

 

Com palavras me ergo em cada dia!

Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto

e saio para a rua.

Com palavras - inaudíveis - grito

para rasgar os risos que nos cercam.

Ah!, de palavras estamos todos cheios.

Possuímos arquivos, sabemo-las de cor

em quatro ou cinco línguas.

Tomamo-las à noite em comprimidos

para dormir o cansaço.

As palavras embrulham-se na língua.

As mais puras transformam-se, violáceas,

roxas de silêncio. De que servem

asfixiadas em saliva, prisioneiras?

Possuímos, das palavras, as mais belas;

as que seivam o amor, a liberdade...

Engulo-as perguntando-me se um dia

as poderei navegar; se alguma vez

dilatarei o pulmão que as encerra.

Atravessa-nos um rio de palavras:

Com elas eu me deito, me levanto,

e faltam-me palavras para contar...

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Perdão - Fernanda de Castro

 

Aqui me tens, meu Deus, em confissão.

Não roubei. Não matei. Não caluniei.

Mas nem sempre segui a tua lei,

nem sempre fui a irmã do meu irmão.

Não recusei aos outros o meu pão.

Amor, algumas vezes, recusei.

Mas por tudo o que dei e o que não dei,

eu te peço, meu Deus, o meu perdão.

Perdão para os meus pecados conscientes

e para os meus pecados inocentes,

para o mal que já fiz e ainda fizer ...

Perdão para esta culpa original,

para este longo e complicado mal:

o crime sem perdão de ser mulher.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

Um dia chegará a Primavera! - Maria Rosa Colaço

 

Um dia chegará a Primavera!

Um dia em qualquer lugar, ou em todos os lugares,

Como um novo maio,

Haverá entendimento dos homens e dos deuses,

O fluir fácil da vida e do trabalho,

E harmonia entre o que se deseja e as mãos já constroem.

Um dia seremos todos crianças maravilhadas.

Um dia seremos inocentes,

E nus.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

 

 

Amanhã - Torquato da Luz

 

Não me digam que espere, eu quero já.

Cedo era ontem, amanhã é tarde.

Capitão de navios que já não há,

não vou deixar que o tempo me deserde.

Portanto, agora!

Hoje é que eu sou no gume da navalha.

Todo o minuto de outra hora

é a margem-viagem que me falha.

Já é que eu sou – e não me peçam nada

para amanhã, que é tarde.

Larguei todo o meu pano à madrugada,

não vou deixar que o tempo me deserde.

 

voltar ao 1º índice de Poetas Mil

voltar ao 2º índice de Poetas Mil

voltar à página inicial de poesia

voltar à homepage

 


 

 

 


UK Web Hosting

Desde 25 de Outubro 2003 e quando o contador Bravenet apresentava cerca de 72.500 visitas