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12ª de Poesia

 

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LISTA DE POETAS POR ORDEM ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME

Poema Introdutório - Francisco Arcos


Aquilo de que o homem despojou as coisas
não lhes faz falta
porque elas continuam a ser do mesmo modo.

Mas há um cavalo de ventas mornas
com patas como qualquer cavalo e asas como nenhum...
( As rédeas são notas agudas de flauta
e o flanco fácil e sereno).
O seu nascer é ininterrupto
para morrer amanhã.
- E tal não acontece ao mesmo tempo por um truque de câmbio,
para que a morte não perca o seu valor extrínseco
nas obsessões da água
e na alegria dos bichos,
enquanto permanece inefável a conjugação de sexos nas árvores.

Mas não bastam as asas ao cavalo:
São necessárias as patas,
imprescindíveis as patas do cavalo
- funcionais, autênticas, terríveis -
porque as patas do Pégaso são falsas
à força de tanto desdobrarem asas subservientes.

Asas? Quase inúteis...
Se as patas forem patas
capazes de bradar no solo surdo,
o céu há-de baixar-se para que o cavalo o penetre.

 

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Caí das mãos de Deus num dia triste.- Francisco Arcos



Caí das mãos de Deus num dia triste.
Não difiro do nada mesmo nada.
Por isso me procuro e pela estrada
pergunto à brisa: - O outro, acaso o viste?
- O outro ( que sou eu ), sombra esfaimada,
que anda nas trevas de punhal em riste,
dize-me tu, luar, se o pressentiste
correndo atrás de mim em fúria alada?
E ergo-me da cor, vivo no som;
sou eco e sombra; existo na paisagem
até ao dia em que acabar no chão.
Caí da mão, desabrochada em céus,
a qual não sei - por erro de miragem -
se me procura, se me diz adeus.

 

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Estirpe e Atavismo - Francisco Arcos



Vejo-me nu nas mãos dum Gulliver. Distantes,
como as memórias dum lusíada marujo,
as minhas farsas de ontem vão, num porão sujo,
na emigração comum dos que procuram o antes.


( No princípio era o Caos? Não creio ). E garatujo
cálculos de álgebra que nunca soube: Instantes
da minha mágoa relativa, asas errantes,
porões onde eu, entre barris com álcool, fujo.


Ultrapassei-me. O agora é fútil. Que me importa?
Nas mãos de Gulliver sou como espinha morta
já sem medula.
- Ó rouxinol de Bernardim,


responde antes que caias de entre a fronde:
“ Menina e moça me levaram...” - para onde?
( Há uma reminiscência, um luxo infame e um fim ).

 

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O meu estado actual é nu.- Francisco Arcos



O meu estado actual é nu. Mas quero a roupa
porque no Caos é tudo frio. O nada é neve
que cai de manso em tudo e que nos poupa
para que ao menos sejamos num som breve.


Estendo a mão em concha e levo aos lábios sopa
que a caridade filosófica se atreve
a conceder-me. Embrulho o corpo em dura estopa
e durmo ao luar sentindo o Cosmos muito leve...


A metafísica adormece-me embalando.
Sonho planícies onde há mortas barbatanas
de ânsias lacustres que me indagam quando


me pertenceram. E, dum vórtice de escombros,
ressurjo entre um lençol de ideias planas:
Levo uma cruz num ombro póstumo e ando aos tombos...

 

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Caído em êxtase esperei manhãs mais calmas - Francisco Arcos


Caído em êxtase esperei manhãs mais calmas,
mas sempre em vão. A minha esperança é fogo
e a ânsia é comburente: Incêndios dentro de alma
que se iniciam, e propagam, e amortiçam logo.


No vão da minha escada aérea batem palmas,
talvez chamando-me, talvez... Ouço-as e rogo
silêncio a quem as bate. ( Alguém que compra as almas:
O Diabo, o Diabo ! ... O mar onde me afogo ! )


Torço e retorço as abas mortas de meus tédios.
Oscilo entre o princípio e o fim. O êxtase banha,
com abundância, e deixa os manipansos nédios.


Ascendo a um cume aonde há sarças que desgrenho,
e, quando chego mesmo ao cimo da montanha,
desço outra vez porque esqueci lá em baixo o lenho.

 

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Por uma encosta sem escadas subo e firo - Francisco Arcos



Por uma encosta sem escadas subo e firo
meus pés descalços pelas pedras, pelo tojo,
pelas lembranças murchas, frágeis. Subo e atiro
aos pombos bravos meus olhares de nojo.


Escravo do orgulho atroz dos cumes, miro
o alto ( eu já lá estive ); agora, estou de rojo
no silêncio da escarpa. Ângulo de um só giro,
o meu ficar no mesmo sítio é quase roxo...


No entanto a água e mais o luar descem cantando
pela vertente. E encharco as mãos. Tudo um deslize.
E teimo na ascensão embora. E caio quando.


O meu castelo no alto! Uma só sala, nua,
colunas magras a susterem nada ... - Gize
o meu castelo quem arquitectou a lua!

 

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O instante caducou na superfície e giza - Francisco Arcos


O instante caducou na superfície e giza
a arquitectura que esta noite transfigura
o silêncio das sombras e o vulto da brisa
inefável, redonda... E deito-me. A altura


passou a comprimento. Algures, um som desliza
ao longo duma corda imóvel e segura
no zénite. É a corda inconcebível, lisa,
que excede a vida para além da noite escura.


Por essa corda imensa é que o luar se evade
e as mãos dos mortos se laceram e ensanguentam
na ânsia de atingir as mãos da claridade.


O instante que logrei - ciente de ser eu -
gera sonhos febris que já não se aguentam
no ar e caem como aerólitos do céu.

 

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Numa esguia coluna enrosco a alma e chego - Francisco Arcos



Numa esguia coluna enrosco a alma e chego
ao capitel que a sombra não atinge. O espasmo,
que continua a ânsia em sábias mãos de cego,
alonga-se nos mármores onde me plasmo.


Na fobia da curva as asas dum morcego
perturbam este instante e um flácido marasmo,
que pressuponho para além do que não nego,
unta a coluna que, da sombra, emerge em pasmo.


Coluna que a luz parte, ó boca entreaberta
de virgem do silêncio, ó Susana no banho
( na sombra até ao sexo, o tronco à luz incerta


do ocaso ) ! No alto há percepções subtis
que escorrem pelo fuste - uma fleuma de ranho !
Vinda de baixo, a sombra já lhe dá pelos quadris...

 

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Ardo em ciúmes na matéria exposta às leis - Francisco Arcos


Ardo em ciúmes na matéria exposta às leis
de estéreis físicas e alastro-me em sequências.
O espaço envolve-me nas vírgulas cruéis
de longa série que sucumbe em reticências.


Procuro a Ursa Menor, mas só encontro seis
das sete estrelas; a do Norte, entre aparências,
perdeu-se no comum geral. Não me orienteis!
Estagno e fico ao luar a digerir essências.


Sorvo a matéria em tragos lentos de luxúria:
Deixai-me sem saber a convenção dum Norte
que além conduz à morte e aqui conduz à fúria!


Um leão cobarde espera em vão que me antecipe.
A névoa despenteia o ser e inverte a morte:
Um deus soprou-me a alma ( e arrepiei-me ). É gripe?

 

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Ao vento o alado é fácil como gesto - Francisco Arcos



Ao vento o alado é fácil como gesto
de herói cristão num ambiente de humidade
religiosa. Pairo em mórbida saudade
e, num invólucro de cor, medito o resto


que me ficou ignoto em noites de orfandade.
Percebo o irreal na suspensão dum voo mesto;
irmano-me, eu e a luz, num contubérnio honesto
e fico-me indeciso olhando a claridade.


A asa é insígnia de loucura e de desvairo.
Quem sabe se a amplidão é camisa de forças?
Quando na brisa ascendo e no intermédio pairo,


a forma jaz, de bruços, como que rezando:
A face em terra, a roupa rota, os pés descalços,
na dor de alguém que espera alguém não sabe quando.

 

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Esculpo um seio grego em busto de corcunda - Francisco Arcos



Esculpo um seio grego em busto de corcunda -
- obra prima irreal que em sonhos mutilei...
A minha arte é órfã, ríspida e sem lei,
tão fácil como a luz que os vértices inunda.


Fui rei que se fez povo para exilar o rei.
Nasci artista de meus sonhos, onde abunda
a curva murcha duma asa vagabunda -
- vírgula bárbara que nunca utilizei.


Andar aos tombos de luar para luar
até cair no vão, que me sucede, a orar,
eis o modelo nu da minha última arte.


É tudo recto ( sensação de tacto oblíqua ):
Para ver se tem vida ou sente verifico-a:
Um beijo - fria; abraço-a - muda; arrojo-a e parte...

 

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Vivo no arcaico Idades-Médias.- Francisco Arcos


Vivo no arcaico Idades-Médias. Creio
num Santo Graal, que existe em mim,
vazio de princípio, oco de fim,
cheio de sangue, a transbordar de cheio.


Cavalgo o dorso alado dum rocim
que é de outro e que encontrei sem rédea e freio
entre o aquém e o além, mesmo no seio
do vale em que adormeço no capim.


Procuro a Escócia e o Rei Artur - meu rei
que é louco além de Artur e além de bardo...
Procuro a Escócia do castelo em névoas!


O Graal vazio, que jamais achei,
coube em herança a um meu irmão bastardo;
a mim as asas que não quero - e levo-as.

 

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Nos abismos mirram-se os meus braços - Francisco Arcos


Nos abismos mirram-se os meus braços
Cansados de esperarem suicidas.
E o meu ser enterrado na noite
é uma raiz com fastio.

 

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Castelo hipotecado ao silêncio - Francisco Arcos



Arrasto trevas por degraus marmóreos. Subo
silêncios. Sons de escadaria, abafo-os quando,
ébrio de aromas de jardins onde não ando,
me sinto vagamente líquido num tubo.


A escadaria é longa, e triste, e num só lanço.
O luar escorre pelo vértice de um cubo
no alto e tomba lentamente, enquanto subo,
de degrau em degrau, até que ganha ranço...


O tempo rasga as calças pelos corrimãos
e eu sinto-me mais só. Desejo um patamar
onde descanse e possa abrir as minhas mãos.


( Que eu tenho as mãos fechadas numa angústia, mudo ).
O aroma exótico e vagante é flor, luar, mármore,
misto de sebo e seda. Escadaria - eis tudo !

 

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Como um mendigo arromba prédios devolutos - Francisco Arcos


Como um mendigo arromba prédios devolutos,
com chaves falsas penetrei-me fora de horas
para dormir, gozando, alheios usufrutos
em vésperas talvez de psíquicas penhoras.


Pelas paredes espasmódicas, sonoras,
há sombras de fantasmas e torcem-se escorbutos.
Em cada canto um dogma, à espera de melhoras,
convalesce em silêncio e tosse. Olhos enxutos


( na virgindade dos triedros definidos
pelos seis planos, pelas doze arestas
da sala imensa ), expiram condoídos


desta minha agonia em til de roto pária -
- intruso de mim mesmo, a betumar as frestas
por onde entra o luar da insónia hereditária.

 

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Lustres suspensos em salões sem tecto.- Francisco Arcos



Lustres suspensos em salões sem tecto. Muros
onde alguém geme no silêncio dos painéis
de fundo roxo. Pelo chão voam papéis
onde escrevi não sei o quê - papéis com furos


de uma renúncia lenta. Há mãos cheias de anéis
a estrangular-me a alma com seus dedos duros.
Oiço pilares de ponte. Em mármores, há reis
que o vento exila e se difundem castos, puros.


Já fui presença em cada sala. E as estrelas
foram comigo. E o luar rasgou janelas
nesta feudal melancolia. Acendo as luzes


com o meu furor. Faço vibrar as cordas tensas
duma harpa que esquecera a um canto. Abrem-se as portas,
que o vento arromba, e eu fico absorto a fazer cruzes.

 

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Trôpegos dedos pendurei de pregos - Francisco Arcos



Trôpegos dedos pendurei de pregos
onde suspensos oscilavam fios
ao dar do vento. Agora faltam pios
de aves nocturnas, com os olhos cegos,


escondidas nas moitas dos baldios.
Depois, a solidão da água em regos
de longas várzeas - e tudo isso em pregos
com os meus dedos, hem? Que sons sombrios


nesta modorra, então, não sentiria?
Em vez de quadros, onde há coisas breves
pintadas num cinzento de histeria,


dedos trôpegos, hem? - uns dedos leves
de impotência feroz, de melodia,
com pios, água e um vislumbrar de neves...

 

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Escorrem óleos de pilastras nuas - Francisco Arcos


Escorrem óleos de pilastras nuas
e há sons de taças que quebrei no surdo
rasto-silêncio de nocturnas ruas.
O meu carpir é um teorema absurdo...


Num luxo esbato os ais com que me aturdo
e em claustros de renúncia odeio luas
e lanço taças a pauis onde chafurdo...
Penetro em mim com emoções-gazuas.


Que importa a Deus que eu minhas taças quebre
e as lance a abismos, no ímpeto da febre
que me alucina? - O sonho que me usurpo


é um drama onde há fiapos de cotim;
é um sacudir do pó vestes de mim...
Soubesse ao menos o que em sons deturpo !

 

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Soam dislates como latas velhas - Francisco Arcos


Soam dislates como latas velhas
no meu carpir cuja sonância é bronze:
Lá fora, o luar, em mármores, dá onze
pancadas surdas que me lembram quedas...


Que é do cansaço que me inunda a fronte?
Que é dessas flores que já não são vermelhas?
E a ânsia rasga, no meu lar sem telhas,
rendas de mangas que a aflição esconde.


Móveis ao longe num silêncio errante...
Bocas torcidas cujos ais não oiço...
( Cansam-se estrelas e não sei se em vão )


A vida ao longe é um círculo distante:
É boca aberta de profundo poço
donde só oiço o luar cair ao chão.

 

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Venero a cinza e recomponho a forma em fumo.- Francisco Arcos



Venero a cinza e recomponho a forma em fumo.
Da exígua alcova em que medito mares
os vidros foscos torcem gritos e ais sem rumo.
( A cinza é espelho em frente ao qual Deus faz esgares ).


Em vão o meu olhar com lágrimas betumo.
Desprende-se da cinza um sopro que, nos ares,
se transfigura em sombra e se alevanta a prumo:
A sombra é Deus que desce em perpendiculares.


De cima se conclui que o fundo é noite e sombra:
Não há manchas de sombra em todos sob a luz,
mas há manchas de luz em todos sob a sombra.


Entre uma ideia e outra, a noite viva insiste.
Resvala em tudo a sombra. E dos meus ombros nus
o inacessível tomba. Em Deus desliza o triste.

 

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A mesma ideia de vertigem, que animara - Francisco Arcos


A mesma ideia de vertigem, que animara
a criança de colo a dominar espaços
pondo, em função de pés e pernas, mãos e braços,
é a mesma que me alucina agora: Há uma avis rara


dentro de abismos - alicerces de meus paços.
E a heterogeneidade atroz, que nos separa,
é divisível pela minha mágoa ignara
e tem a solidão flutuante dos sargaços.


A mesma ideia furiosa é que me impele
até domínios onde fui escravo outrora
e onde encontrei Caim acariciando Abel.


A criança de colo cala-se e não chora
apenas quando, pelo chão, se perde nele:
Eu choro se não for perder-me por aí fora!

 

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Cai, sombra oblíqua, atesta o ínfimo !- Francisco Arcos


Cai, sombra oblíqua, atesta o ínfimo! Abandona
a mão suspensa, que te agarra avidamente,
e dilui tédios sobre o vale e sobre a gente
que passa anónima e desliza em chãos de lona !


Cai, sombra oblíqua, sobre os ombros do indiferente!
Abraça nus de fêmeas tristes! Desmorona
as emoções do belo e deixa-as ir à tona
das águas loucas da inconsciência de quem sente!


Na tua obliquidade, ó sombra, eu seja enfim
loucura intermitente - um louco a rir-se doutro -
intervenção de luz - um lúcido cismar.


Prosterna-te no longo e mudo arfar do fim !
Gera silêncio tal que se ouça do meu potro
o tímido galope e eu a praguejar !

 

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Meus nervos findam para aquém de tudo - Francisco Arcos



Meus nervos findam para aquém de tudo
e trazem-me presenças quase toscas:
Que espero eu do baloiçar das folhas?
E das curvas do mar onde me aturdo?


Meus dedos tocam vidrarias foscas
e jazem, hirtos, sobre o que me iludo:
Que espero eu deste cinzento surdo?
E das coisas que estoiram como bolhas?


Meus nervos findam para além de mim,
no caos das linhas pensativas, tortas,
do incompleto e do que não tem fim.


Que espero eu das já puídas cordas,
nas quais o vento as suas garras finca
para arrancar em sons o nada e as horas?

 

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A violoncelista cheira a azedo.- Francisco Arcos



A violoncelista cheira a azedo.
Rãs emergindo cautas do seu charco,
toda a gente na sala está suspensa do arco
que afaga as tripas cauteloso, a medo.


O instrumento repousa como um barco
entre as pernas abertas e, em segredo,
parece estar nascendo - tarde ou cedo? -
o silêncio com que eu, sozinho, arco


como se aqui viesse ( contratado
qual gigante de feira ), erguer nos braços
o peso enorme do imponderável!


- Solta esse barco! Esperam-me sargaços
e enjoos, onde a música, de um lado,
é mar e, do outro, a areia dos meus passos...

 

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O tédio é uma carícia ao longe, nas estrelas - Francisco Arcos


O tédio é uma carícia ao longe, nas estrelas
mimalhas e na lua; e a fleuma atroz do espaço
é uma emoção de estar subindo, sem cautelas,
degraus na escuridão da torre do meu paço.


Que eu tenho um paço, onde o vento apaga as velas
dos lustres que enforquei nos tectos com o laço
da minha angústia; um paço onde rasguei janelas
com o meu olhar cinzento e frio como aço.


E, príncipe sineiro, então, em noites negras,
ascendo à torre e massacrando bronzes frios
ensurdeço-me a rir com sons que arranco a tudo


- especialmente a mim -, todos sem tom nem regras!
E tudo porque o vale, onde se espojam rios,
é uma mordaça de amplidão que me faz mudo.

 

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Sinto-me invólucro e conteúdo - Francisco Arcos



Sinto-me invólucro e conteúdo - invés
de sino morto e exterior de sino
vivo: Sinto-me um som de lés a lés...
Tange-me um louco e pérfido menino.


Em ecos nas quebradas troco os pés
e morro ao longe, num gemido fino,
ao sabor de não sei de que marés
de um mar de que não sei qual o destino.


A corda puida que me impulsiona,
quando a não puxam, mede tempos nulos
algures...algures... ( aondes ignorados ).


Vaivém entre algas ( de que mar ? ), à tona...
Águas opacas. Animais aos pulos.
Sinos vivos de poemas rachados...

 

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A chama esgota-se num fumo idiota.- Francisco Arcos


A chama esgota-se num fumo idiota. Incide
num último clarão a luz da Vesper sobre
a sombra côncava de alguém que coincide
e se confunde com meu eu: Alguém que é pobre,


porque desgrenha ao vento íntimos sons de cobre
e pendem luares dos seus ombros de cabide;
alguém que à noite gargareja espaço e encobre,
com véus de nervos, ritmos loucos que o mar elide.


Alguém que fotografa o céu e fica absorto,
numa contemplação atroz do negativo,
olhando as manchas negras das estrelas como


pontos cadáveres, como indícios dum céu morto -
- denúncias póstumas de vidas que não vivo,
parcelas fúteis duma conta que não somo.

 

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Olhar absorto que interroga - Francisco Arcos



Olhar absorto que interroga e vai a um colo estranho
medir pirâmides com sonhos. Levo-o eu.
Meus braços ávidos agarram-no, tamanho
é o meu desejo de chorar. Sou como um véu


enquanto ando. ( Isto na testa é um grande lanho
por onde a alma me saiu, com rumo ao céu...)
É um olhar morto mas atento, aberto e estranho,
o olhar que levo ao colo e que é só meu.


Olhar cadáver que destruo sob penhas
e que persiste em mim inteiramente azul:
Alguém que se imiscui na escuridão das brenhas


e me surge uniforme atrás da minha porta
a bipartir-se. ( É noite. À margem dum paul
minha alma actriz define-se, já morta... )

 

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Coisas que passam devagar ao longe - Francisco Arcos



Coisas que passam devagar ao longe: Gritos
que se não ouvem tão distante os solto e berro.
Sofro no ocaso uniões de ferro e ferro
e, em pântanos, sou tótem que se ri dos mitos.


Belezas jovens que estagnei em esquifes: Cerro
a minha alma às emoções; molho granitos
com a ânsia líquida de ouvir ranger atritos.
A noite é um poço destapado; a lua, um berro.


Se a inquietação das águas fosse o que eu seria...
Se a lua ingénua, que as águas partem, fosse...
A noite é calva; o meu cismar, uma baía...


E os destroços de ser de quem já foi? Que doce
a música lacustre de quem pesca e canta!
Que tristes as canções de quem desdenha posses...

 

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Órbitas ocas, os teus lábios fitam rumos - Francisco Arcos


Órbitas ocas, os teus lábios fitam rumos
de bandos de aves invisíveis. Carne e rocha,
são pedestais de som teus braços, como prumos
suspensos de ombros onde a curva desabrocha.


Renúncias hirtas, os cabelos soltam fumos
que o vento espalha, silencioso. Em cada coxa
lentamente resvalam tédio e ânsia. Sumos
de frutas raras dão ao mármore a cor roxa


da fúria que macera a alma; e a cansa; e a anula.
Cai chuva no jardim, molha-se a estátua.
Ao longe uma tristeza coça-se e arrulha


no último ramo de um enorme e velho cedro.
Alguém está a mais, eu sei. Mato-me ou mato-a?
Mas como decidir se a estátua vive e eu medro?

 

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Há um medo húmido no berço que eu agito - Francisco Arcos



Há um medo húmido no berço que eu agito,
adormecendo alguém que, quando sonha, acorda.
Ao lado tece, a velha avó, um sambenito
e a doce irmã desfaz os nós de longa corda...


Lá fora o luar desliza ( e faz em mim atrito ),
num tédio onde a tristeza sedentária engorda.
Se fosse lua nova! - Eu sei que tenho dito
que gosto que o luar me beije, e lamba, e morda,


mas hoje há medos neste berço, em vão, de mim...
O luar hoje confrange, abafa, exprime um som
no violoncelo do silêncio, onde há marfim.


Se fosse lua nova! - Alguém, que embalo e nunca
dormiu assim num berço fútil e tão bom,
estenderia, além de qualquer deus, a garra adunca.

 

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Por quê o mar - Francisco Arcos



Por quê o mar, às vezes, quando cresce inunda
os pés do príncipe que dorme sobre a areia?
( A lua, o sol, a maré vaza, a maré cheia?
ou os gritos que vêm do sargaço, onde se afunda


a face triste duma virgem, loira e feia,
que morde os dedos da alma- hidrófobia imunda-
por entre espuma, entre festões de dor profunda,
e alertas de ânsia desta ameia para aquela ameia?)


O príncipe, que dorme no areal, não sente:
Sonha no Génesis, esboça o caos do início,
e vê-se sobre as águas, lânguido, indiferente.


O príncipe não sente o mar molhar-lhe os pés:
Sonha no Génesis e vê-se, ao pé dum precipício,
medindo-se, vaidoso, aos palmos, lés a lés...

 

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Queda suspenso o meu palácio de aluguer - Francisco Arcos



Queda suspenso o meu palácio de aluguer
e, na amnistia que adormece as coisas vagas,
transmigram aves da aridez das minhas plagas
aos climas húmidos duns olhos de mulher.

 

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O que sobra do amor depois da carne - Francisco Arcos


Surgiu o pó de Maio à flor dos charcos lentos
no vale aonde o tempo é síncope e vertigem;
e em minhas mãos, que toscas, frias grades cingem,
a angústia branca foi varrida pelos ventos.


As grandes árvores esguias, que se tingem
de cor aflita, emanam sons tão pardacentos
que me sugerem náusea os bosques e fuligem
os musgos fofos como cinzas de cinzentos.


E o pó de Maio morto, mórbido, infecundo,
à flor dos charcos é renúncia e é silêncio.
Coisas estéreis, singulares, ocas, sem fundo,


passam em nome e através nas águas gordas
dos pântanos! na fleuma dos pântanos lentos!
( Meus olhos gemem e debatem-se entre cordas ).

 

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A névoa arrasta os crepes pelos prados - Francisco Arcos



A névoa arrasta os crepes pelos prados
do meu letargo infindo. Ontem a lua
adormeceu no meu cansaço os brados
de uma renúncia que aprendi na rua.


Vejo-me em ângulo de qualquer dos lados
donde me veja. Aspiro à emoção nua
de um dia novo em que os meus sonhos nados
da angústia de ficar me sejam lua.


Meus braços pendem, no irreal que foge,
da aresta longa em que me espraio em vida:
- Que estranha sensação me isola hoje


de mim? É cheiro? É som? É forma? É gosto?
É um grito cúbico de forma definida
que tem sabor a tédio e cheira a mosto.

 

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A mulher grávida assustou-me - Francisco Arcos


A mulher grávida assustou-me com seu bojo
de vida inédita. Na curva ergui-me herói
de empresas castas e arranhei perfis num tojo
de flora exótica. O amar é um som que foi...


Sofrem delíquios as colunas; vão, de rojo,
acalentar penumbras. Fico. O luar corrói
a fleuma hostil das superfícies de água. Um nojo
de nunca mais amarra-me ao silêncio e dói.


A mulher grávida assustou-me. E nas mãos magras
a dor, num símbolo de estátua ardendo em febre,
vincava rugas. Quis morder-lhe as mãos, sem pejo!


São tuas as canções e as raivas - tu as sagras!
Por isso, a ânsia de anular-me gera azebre
no meu sentir de cobre. E apetece-me um beijo.

 

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Sou mármore que expira em sôfrega tortura - Francisco Arcos


Sou mármore que expira em sôfrega tortura
soluços de âmbar através dum prisma roxo.
A carne, em síntese, entortou como um arrocho
enquanto a alma, além de análises, procura.


Na balaustrada de um hotel, toda brancura,
debruça-se o silêncio, olhando um mar já frouxo;
mas nada encontra desde o espaço curvo e chocho
até às mãos que o longe espraia na lonjura!


E o mármore soluça. Unicamente o entende
alguém que vem, contemporâneo do luar,
como asa anémica e já velha dum duende.


Alguém que é fêmea porque cheira a azul e a nu -
- a um nu onde há coreografia a soluçar:
Porque eu sou mármore e soluço. E tu ?

 

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És beijo em fímbria roxa - Francisco Arcos



És beijo em fímbria roxa e triste de luar
na lua cheia duma noite inconsciente;
e habitas lagos que estou farto de singrar
quando num ápice de místico sou crente.


Esvai-te em névoa e volta ao cubo do meu lar
que a ânsia inscreve numa esfera transcendente!
Estou sozinho, imerso em tédio, e olhando um mar
onde se afoga uma noção serenamente.


Volta, esvaída, e desencanta-me do sonho
em que naufrago a poucas milhas da evidência,
agarrado a um destroço esquálido em que ponho


toda a esperança que me resta após a luta!
Volta, em soluço, e arrasta as sedas da aparência!
Cá fico à espera no azul simples de quem escuta.

 

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De braço dado com a noite - Francisco Arcos


De braço dado com a noite, uma princesa
de belo corpo leal, medievamente virgem,
abandona os seus véus ( histérica vertigem )
nas sarças do desejo, enquanto a alma reza.


Seus braços nus, branqueando a noite e a origem,
são tão longínquos que lhes vejo as mãos na acesa
e rútila manhã que há-de vir, concerteza,
só amanhã. A que distância enorme a cingem

meus braços sôfregos de tê-la e de escutá-la!
-Princesa, que te dás inteira como os rios,
se soubesses a paz que há por estas salas,


e a ânsia que ilumina estes trágicos lustres
que nunca acendo! Se entendesses os esguios
dedos com que belisco ausentes balaústres!...

 

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Enquanto minhas mãos - Francisco Arcos


Enquanto minhas mãos sobre os teus seios claros
adormecem de amor teus olhos sonolentos,
esse perfil de esfinge, a desafiar os ventos,
para o sentir total quisera estranhos faros...


( Que escorresse depois a luz desde os momentos
de mármore até à fleuma ansiosa dos céus raros...)
Quebremos ambos à corrente da ânsia os aros
de silêncio! E vistamos os longos paramentos


dos ritos nupciais! Desçamos, um a um,
os degraus deste abismo onde um tálamo existe,
para nós dois, feito das fúrias do simum.


Amar-nos-emos. E, no dia em que descer
até nós o clamor da humanidade triste,
ergueremos os dois, bem alto, um novo ser.

 

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MULHERES QUE AMO. Uma já famosa selecção de Zezé Pina sobre poesia no feminino.
Mulheres que amo - Uma selecção de Zezé Pina



 

 

 


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