Site hosted by Angelfire.com: Build your free website today!

 

 

poesia200entrada   poesia200topo

Adélia Prado

 

AlltheWeb

NOVIDADES

MAPA DO SITE

BUSCA NO SITE

LITERATURA

POESIA

BIOGRAFIAS E BIBLIOGRAFIAS

ESPANÕL

FRANÇAIS

ENGLISH

OPINIOES

GRUPOS - GROUPS

FORUNS MIL

PAGINAS AMIGAS

FORUM BRAVENET

JORNAL DE PAREDE

CHATS

JOGOS

E-MAIL

INSERÇÃO DE SITES

MUNDO NOTICIAS

MOTORES DE BUSCA

DOWNLOADS

WEBMASTERS

TRADUCOES

LISTA DE AUTORES

SOLIDARIEDADE

LISTA DE LINKS

 

LIVRO DE VISITAS

 LIVRE D' OR

 GUESTBOOK

 

 

 

 

LISTA DE POETAS POR ORDEM ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME
 

Adélia Prado

Ausência de poesia

 

Aquele que me fez me tirou da abastança,

Há quarenta dias me oprime do deserto. (...)

Ó Deus de Bilac, Abraão e Jacob,

Esta hora cruel não passa?

Me tira desta areia, ó Espírito,

Redime estas palavras do seu pó.

 

(Poesia Reunida, p.189.)

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Adélia Prado 

Nem um verso em Dezembro

 

Nem um verso em Dezembro,

Eu que para isso nasci e vim ao mundo. (...)

 

(Poesia Reunida, p.157.)

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Luís Romano

Vida

 

A crioula que meus olhos beijaram a medo

perdeu-se na confusão de um porto francês

 

Ela sorria continuamente, erguendo no seu riso uma canção extraordinária.

 

Não foi um romance de amor

nem mesmo um pequeno segredo entre ambos.

 

Somente, quando Ela falava ao pé de mim, eu sentia:

um aprazível devaneio

pela maravilha escultural duma Mulher Perfeita.

 

Depois,

a Vida separando Nós - Dois

a confusão, os ruídos, os braços agitando-se

e o vapor levando para outros mares,

outros portos,

a graça, o mistério, o perfume e os cantares

da crioula que meus olhos beijaram a medo

no tombadilho daquele vapor francês.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Onésimo Silveira

As águas

 

A chuva regressou pela boca da noite

Da sua grande caminhada

Qual virgem prostituída

Lançou-se desesperada

Nos braços famintos

Das árvores ressequidas!

 

(Nos braços famintos das árvores

Que eram os braços famintos dos homens...)

 

Derramou-se sobre as chagas da terra

E pingou das frestas

Do chapéu roto dos desalmados casebres das ilhas

E escorreu do dorso descarnado dos montes!

 

Desceu pela noite a serenar

A louca, a vagabunda, a pérfida estrela do céu

Até que ao olhar brando e calmo da manhã

Num aceno farto de promessas

Ressurgiu a terra sarada

Ressumando a fartura e a vida!

 

Nos braços das árvores...

Nos braços dos homens...

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Onésimo Silveira

Quadro

 

Lá vem nho Cacai da ourela do mar

Acenando a sua desilusão

De todos os continentes!

Ele traz o peito afogado em maresias

E os olhos cansados da distancia das horas...

 

Lá vem nho Cacai

Com a boca amarga de sal

A boiar o seu corpo morto

Na calmaria da tarde!

 

Nho Cacai vem alimentar os seus filhos

Com histórias de sereias...

Com histórias das farturas das Américas...

 

Os seus filhos acreditam nas Américas

E sabem dormir com fome...

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Sukrato

Não me lavem o rosto

 

Não me lavem os olhos!

Não; já disse não!

Deixai-me ver,

sentir, viver tudo em mim

mas não me lavem os olhos!

 

Deixai-me crer por mim

aceitar a realidade

mas não me barrem a caminhada

não me lavem os olhos!

 

Deixai-me sofrer realidade

ao sonhar fraternidade

mas... por favor...

não me lavem os olhos!

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

José Luís Tavares

Curvo-me

 

Curvo-me ao obstinado peso das raízes.

Mais alto se erguem os morosos frutos

da inquietude. Por todo o meu corpo

animais em deserção, bélicos murmúrios,

impendentes murmúrios, desdenhada fortuna.

 

Não sei de barcos, não sei de pontes,

para outro tão melodioso território.

Afeiçoados ficaram os olhos ao sonhado

verde dos campos. Derrotados sob o

adivinhado zelo do sol por quantos dias

a ilha estremece ao temor da sede

e da ruína.

 

Deram-lhe navegadores nome de santo,

quando à vista das angras lágrimas

e gritos se confundiram. E na hora terreal,

feito o sinal da cruz, divisa de quem

por tão longes terras os mandara navegar,

um destino de penumbra ali se traçou.

 

E ficámos náufragos, irmãos dos chibos,

pela ocidental terra que o dia já desnuda.

Pelos sinos da matriz avisando da inexorável

aproximação dos corsários (um tempo

de rapina subjaz ainda na memória desses

anos) eu vos saúdo, velho cadamosto,

diogo gomes, antónio da noli; eu vos saúdo

desde esses picos de sede de onde a noite

mais veloz se confunde com os desfraldados

estandartes da alegria.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

João Vario a.k.a. T.T. Tiofe

Exemplo

 

Há muito passado no estar aqui com o tempo,

Fim e reconhecimento, e não sofrendo nada mais do que o tempo concede,

 

Fim de novo e reconhecimento de novo

E tudo é crime, ou crime sempre, crime ou crime,

Criminosíssimamente crime,

Quando arriscamos a intensidade, comemorando.

Aumento e festa, ou cilício, e tempo de cair e tempo de seguir,

Tempo de mal cair e tempo de mal seguir,

Oh amamos tanto, amamos tanto estar aqui com o tempo

E sabendo que há nisso pouco passado.

Porque maiores que os desígnios da vida

São os desígnios da medida e, divididos

Em dois por eles, com eles indo, se por eles

Ganhamos o tempo, pedimos a forma mais fácil

De indagar que vamos morrer e, um dia, se

O tempo for deles e, a memória, de outros,

Havemos de ser úteis como mortos há muito,

Sem que a causa, o delírio, a designação,

O julgamento nossa medida abandonem,

Dividida em duas por elas, e ganhando constância.

 

Depois, depois faremos ou fará o tempo, por sua vez,

Aquele blasfemíssimo comentário,

E então consta que amámos.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

João Vario a.k.a. T.T. Tiofe

Fragmento

 

E então subimos aquele grande rio

e as portas do Ródão, chamadas. Era em Abril

dois dias depois da neve

e da cidade dos nevões, na serra.

E olhamos para os penhascos da beira-rio,

as oliveiras, o xisto, a cevada

as ervas de termo, e as colinas.

E, junto da via férrea, os homens do pais

miravam-nos como se fossemos nós

e não eles os mortos desta terra,

homens do medo e do tempo da discórdia

que trazem para o cimo das estradas

a malícia que vai apodrecendo

seus pés neste mundo e em terras de outrem.

Que fazeis do mundo e da sua chama imponderável, os homens,

perdidos que estais, hoje como ontem,

entre a casa e o limiar?

E evocamos, mais uma vez, esse provérbio sessouto.

E, na verdade, porque regressaremos,

após tantos anos, a este tema?

Será que a morte nos ensinou

a olhar para o homem com pavoroso êxtase?

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

 Arménio Vieira

Isto é que fazem de nós

 

Isto!

E perguntam-nos:

- sois homens?

Respondemos:

- animais de capoeira.

Dizem-nos:

- bom dia.

Pensamos:

lá fora...

 

Isto é que fazem de nós

quando nos inquirem:

- estais vivos?

E em nós

as galinhas respondem:

- dormimos.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Arménio Vieira

Mar

 

Mar! Mar!

Mar! Mar!

 

Quem sentiu mar?

 

Não o mar azul

de caravelas ao largo

e marinheiros valentes

 

Não o mar de todos os ruídos

de ondas

que estalam na praia

 

Não o mar salgado

dos pássaros marinhos

de conchas

areias

e algas do mar

 

Mar!

 

Raiva - angústia

de revolta contida

 

Mar!

 

Silêncio - espuma

de lábios sangrados

e dentes partidos

 

Mar!

do não - repartido

e do sonho afrontado

 

Mar!

 

Quem sentiu mar?

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Arménio Vieira

Ser tigre

 

O tigre ignora a liberdade do salto

é como se uma mola o compelisse a pular.

 

Entre o cio e a cópula

o tigre não ama.

 

Ele busca a fêmea

como quem procura comida.

 

Sem tempo na alma,

é no presente que o tigre existe.

 

Nenhuma voz lhe fala da morte.

O tigre, já velho, dorme e passa.

 

Ele é esquivo,

não há mãos que o tomem.

 

Não soa,

porque não respira.

 

É menos que embrião

abaixo do ovo,

infra - sémen.

 

Não tem forma,

é quase nada, parece morto.

 

Porém existe,

por isso espera.

 

Epopeia, canção de amor,

epigrama, ode moderna, epitáfio,

 

Ele será

quando for tempo disso.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Teobaldo Virgínio

Rota longa

 

Rota longa

 

Irei na rota branca

da rosa de espuma

na hora madrugada

promissora da brisa.

 

Rota longa rota longa

 

Irei com a pétala ressequida

da tórrida paisagem

para além das distâncias secas.

 

Rota longa rota longa

 

Rota longa de espuma

vou irei espalhar minhas pétalas ressequidas

na hora madrugada

das correntes desatadas.

 

Rota longa rota longa

 

Vou irei sem detença

para além das distâncias secas

em busca do abraço ancorado

na outra margem da curva líquida.

 

Rota longa rota longa

 

Vou irei na hora alta desta vigília

e a manhã clara acontecerá.

 

Rota longa rota longa

 

Vou irei contra todas as cadeias protestantes do meu rumo

em cada protesto que embarco

na ondulação que se desatraca.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Espiritualismo

Antero de Quental

 

Junto do mar, que erguia gravemente

A trágica voz rouca, enquanto o vento

Passava como o voo dum pensamento

Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

 

Junto do mar sentei-me tristemente,

Olhando o céu pesado e nevoento,

E interroguei, cismando, esse lamento

Que saía das coisas vagamente...

 

Que inquieto desejo vos tortura,

Seres elementares, força obscura?

Em volta de que ideia gravitais?

 

Mas na imensa extensão onde se esconde

O inconsciente imortal só me responde

Um bramido, um queixume e nada mais.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Hino à razão

Antero de Quental

 

Razão, irmã do Amor e da Justiça,

Mais uma vez escuta a minha prece.

É a voz dum coração que te apetece,

Duma alma livre só a ti submissa.

 

Por ti é que a poeira movediça

De astros, sóis e mundos permanece;

E é por ti que a virtude prevalece,

E a flor do heroísmo medra e viça.

 

Por ti, na arena trágica, as nações

buscam a liberdade entre clarões;

e os que olham o futuro e cismam, mudos,

 

Por ti podem sofrer e não se abatem,

Mãe de filhos robustos que combatem

Tendo o teu nome escrito em seus escudos

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Lacrimae Rerum

Antero de Quental

 

Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,

Quantas vezes tenho eu interrogado

Teu verbo, teu oráculo sagrado,

Confidente e intérprete da Sorte!

 

Aonde são teus sóis, como coorte

De almas inquietas, que conduz o Fado?

E o homem porque vaga desolado

E em vão busca a certeza que o conforte?

 

Mas, na pompa de imenso funeral,

Muda, a noite, sinistra e triunfal,

Passa volvendo as horas vagarosas...

 

É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;

E, perdido num sonho imenso, escuto

O suspiro das coisas tenebrosas... !

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Mors - Amor

Antero de Quental

 

Esse negro corcel, cujas passadas

Escuto em sonhos, quando a sombra desce,

E, passando a galope, me aparece

Da noite nas fantásticas estradas,

 

Donde vem ele? Que regiões sagradas

E terríveis cruzou, que assim parece

Tenebroso e sublime, e lhe estremece

Não sei que horror nas crinas agitadas?

 

Um cavaleiro de expressão potente,

Formidável mas plácido no porte,

Vestido de armadura reluzente,

 

Cavalga a fera estranha sem temor:

E o corcel negro diz "Eu sou a morte",

Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor".

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

O Convertido

Antero de Quental

 

Entre os filhos dum século maldito

Tomei também lugar na ímpia mesa,

Onde, sob o folgar, geme a tristeza

Duma ânsia impotente de infinito.

 

Como os outros, cuspi no altar avito

Um rir feito de fel e de impureza...

Mas um dia abalou-se-me a firmeza,

Deu-me um rebate o coração contrito!

 

Erma, cheia de tédio e de quebranto,

Rompendo os diques ao represo pranto,

Virou-se para Deus minha alma triste!

 

Amortalhei na Fé o pensamento,

E achei a paz na inércia e esquecimento...

Só me falta saber se Deus existe!

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Gatos

Carlos Drummond de Andrade

 

"Um gato vive um pouco nas poltronas, no cimento ao sol, no telhado sob a lua. Vive também sobre a mesa do escritório, e o salto preciso que ele dá para atingi-la é mais do que impulso para a cultura.

 

É o movimento civilizado de um organismo plenamente ajustado às leis físicas, e que não carece de suplemento de informação.

 

Livros e papéis, beneficiam-se com a sua presteza austera. Mais do que a coruja, o gato é símbolo e guardião da vida intelectual."

 

(Perde o gato - crónica de Carlos Drummond de Andrade)

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Os gatos da tinturaria

Cecília Meireles

 

Os gatos brancos, descoloridos,

passeiam pela tinturaria,

miram policromos vestidos.

Com soberana melancolia,

brota nos seus olhos erguidos

o arco-íris, resumo do dia,

 

ressuscitando dos seus olvidos,

onde apagado cada um jazia,

abstractos lumes sucumbidos.

 

No vasto chão da tinturaria,

xadrez sem fim, por onde os ruídos

atropelam a geometria,

 

os grandes gatos abrem compridos

bocejos, na dispersão vazia

da voz feita para gemidos.

 

E assim proclamam a monarquia

da renúncia, e, tranquilos vencidos,

dormem seu tempo de agonia.

 

Olham ainda para os vestidos,

mas baixam a pálpebra fria.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Dois sonhos

Carlos Drummond de Andrade

 

O gato dorme a tarde inteira no jardim.

Sonha (?) tigres enviesados a chamá-lo

para a fraternidade no jardim.

Gato sonhando, talvez sonho de homem?

Continua dormindo, enquanto ignoro

a natureza e o limite do seu sonho

e por minha vez

também me sonho (inveja) gato no jardim.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Ode ao gato

Pablo Neruda

 

Os animais foram

imperfeitos,

compridos de rabo, tristes

de cabeça.

Pouco a pouco se foram

compondo,

fazendo-se paisagem,

adquirindo pintas, graça, voo.

O gato,

só o gato

apareceu completo

e orgulhoso:

nasceu completamente terminado,

anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro

a serpente quisera ter asas,

o cachorro é um leão desorientado,

o engenheiro quer ser poeta,

a mosca estuda para andorinha,

o poeta trata de imitar a mosca,

mas o gato

quer ser só gato

e todo gato é gato

do bigode ao rabo,

do pressentimento à ratazana viva,

da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade

como ele,

não tem

a lua nem a flor

tal contextura:

é uma coisa só

como o sol ou o topázio,

e a elástica linha em seu contorno

firme e subtil é como

a linha da proa

de uma nave.

Os seus olhos amarelos

deixaram uma só

ranhura

para jogara as moedas da noite

Oh pequeno

imperador sem orbe,

conquistador sem pátria

mínimo tigre de salão, nupcial

sultão do céu

das telhas eróticas,

o vento do amor

na intempérie

reclamas

quando passas

e pousas

quatro pés delicados

no solo,

cheirando,

desconfiando

de todo o terrestre,

porque tudo

é imundo

para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente

da casa, arrogante

vestígio da noite,

preguiçoso, ginástico

e alheio,

profundíssimo gato,

polícia secreta

dos quartos,

insígnia

de um

desaparecido veludo,

certamente não há

enigma

na tua maneira,

talvez não sejas mistério,

todo o mundo sabe de ti e pertence

ao habitante menos misterioso,

talvez todos acreditem,

todos se acreditem donos,

proprietários, tios

de gatos, companheiros,

colegas,

discípulos ou amigos

do seu gato.

Eu não.

Eu não subscrevo.

Eu não conheço o gato.

Tudo sei, a vida e seu arquipélago,

o mar e a cidade incalculável,

a botânica,

o gineceu com os seus extravios,

o pôr e o menos da matemática,

os funis vulcânicos do mundo,

a casaca irreal do crocodilo,

a bondade ignorada do bombeiro,

o atavismo azul do sacerdote,

mas não posso decifrar um gato.

Minha razão resvalou na sua indiferença,

os seus olhos tem números de ouro.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

O gato

Ária para tenorino e flautim

Aníbal Beça

Para Carô Murgel

 

O gato aparece à noite

com seu esquivo silêncio

de passos bem calculados

num jogo de paciência

as garras bem recolhidas

na concha de suas patas

 

O gato passeia a noite

com seu manto de togado

como se fosse um juiz

de presas resignadas

a sua sentença de sombras

seu apetite de gula

 

O gato varre essa noite

facho de suas vassouras

vermelhas de olhos ariscos

e alcança nessa limpeza

o movimento mais presto

o guincho mais desouvido

 

Mais que perfeito no bote

(tal qual Mistoffelees de Eliot)

do pulo que nunca ensina

tombam baratas besouros

peixes de aquário catitas

ao paladar sibarita

 

Nada à noite falta ao gato

nem a presteza no salto

nem a elegância completa

do seu traje de veludo

para o baile dos telhados

roçando as fêmeas no cio

 

O gato é acto em seu salto

e a noite luz do seu palco:

ribalta luciferina

lunária ária da lua

na réstia de seus dois gozos

é félix feliz felino

 

Guardei a sétima estrofe

para o canto do mistério

das sete vidas do gato

e seu tapete aziago

nas noites de sexta-feira

há provas do seu estrago.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

Soneto do gato morto

Vinícius de Moraes

 

Um gato vivo é qualquer coisa linda

Nada existe com mais serenidade

Mesmo parado ele caminha ainda

As selvas sinuosas da saudade

De haver sido feroz. À sua vinda

Altas correntes de electricidade

Rompem do ar as lâminas em cinza

Numa silenciosa tempestade.

 

Por isso ele está sempre a rir de cada

Um de nós, e ao morrer perde o veludo

Fica torpe, ao avesso, opaco, torto

 

Acaba, é o antigato; porque nada

Nada parece mais com o fim de tudo

Que um gato morto.

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

O gato

Vinícius de Moraes

 

Com um lindo salto

Lesto e seguro

O gato passa

Do chão ao muro

Logo mudando

De opinião

Passa de novo

Do muro ao chão

E pega corre

Bem de mansinho

Atrás de um pobre

De um passarinho

Súbito, pára

Como assombrado

Depois dispara

Pula de lado

E quando tudo

Se lhe fatiga

Toma o seu banho

Passando a língua

Pela barriga

 

voltar ao 1º índice de poetas mil

voltar ao 2º índice de poetas mil

voltar ao índice geral de poesia

voltar à homepage

 

 Amnesty International - working to protect human rights worldwide

 

 

 


UK Web Hosting

Desde 25 de Outubro 2003 e quando o contador Bravenet apresentava cerca de 72.500 visitas