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LISTA DE POETAS POR ORDEM ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME Pensão Familiar
Jardim da pensãozinha burguesa. Gatos espapaçados ao sol. A tiririca sitia os canteiros chatos. O sol acaba de crestar as boninas que murcharam. Os girassóis amarelo! resistem. E as dálias, rechonchudas, plebeias, dominicais. Um gatinho faz pipi. Com gestos de garçom de restaurant-Palace Encobre cuidadosamente a mijadinha. Sai vibrando com elegância a patinha direita: ? É a única criatura fina na pensãozinha burguesa
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O gato
O gato é secreto. Tece com calma o mistério do mundo. O gato é eléctrico. Pura energia a percorrer a espinha.
O gato é orgulho. Sem humildade, jamais se entrega.
O gato é desejo. Atracção pela lua e telhados.
O gato é sagrado. Olho no olho que brilha.
Um susto. Parece que vemos Deus.
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Caviloso
"Caviloso. Essa palavra saiu da moda mas deveria ser reconduzida, não existe melhor definição para a alma do felino. E certas pessoas que falam pouco e olham. Olham. Cavilosidade sugere esconderijo, cave ? aquele recôncavo onde o vinho envelhece. Na cave o gato se esconde, ele sabe do perigo."
Mark Twain "De todas as criaturas de Deus, somente uma não pode ser castigada. Essa é o gato. Se fosse possível cruzar o homem com o gato, melhoraria o homem, mas pioraria o gato."
Rainha Maria Leszcynska "São distantes, discretos, impecavelmente limpos e sabem calar. Falta mais alguma coisa para considerá-los uma excelente companhia?"
Jean Cocteau
"Prefiro os gatos aos cães porque não há gatos policiais."
Joseph Wood Krutch
"A natureza dos gatos parece fundamentar-se no princípio de que nunca é ruim pedir o que se deseja."
Lord Byron
"O gato possui beleza sem vaidade, força sem insolência, coragem sem ferocidade, todas as virtudes do homem sem vícios."
Marcel Mauss
"O gato é o único animal que conseguiu domesticar o homem."
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Perde o gato (2)
Um jornal é lido por muita gente, em muitos lugares; o que ele diz precisa interessar, senão a todos, pelo menos a um certo número de pessoas. Mas o que me brota espontaneamente da máquina, hoje, não interessa a ninguém, salvo a mim mesmo. O leitor, portanto, faça o obséquio de mudar de coluna. Trata-se de um gato. Não é a primeira vez que o tomo para objecto de escrita. Há tempos, contei de Inácio e de sua convivência. Inácio estava na graça do crescimento, e suas atitudes faziam descobrir um encanto novo no encanto imemorial dos gatos. Mas Inácio desapareceu ? e sua falta é mais importante para mim, do que as reformas do ministério.
Gatos somem no Rio de Janeiro. Dizia-se que o fenómeno se relacionava com a indústria doméstica das cuícas, localizada nos morros. Agora ouço dizer que se relaciona com a vida cara e a escassez de alimentos. À falta de uma fatia de vitela, há indivíduos que se consolam comendo carne de gato, caça tão esquiva quanto a outra.
O fato sociológico ou económico me escapa. Não é a sorte geral dos gatos que me preocupa. Concentro-me em Inácio, em seu destino não sabido.
Eram duas da madrugada quando o pintor Reis Júnior, que passeia a essa hora com o seu cachimbo e o seu cão, me bateu à porta, noticioso. Em suas andanças, vira um gato cor de ouro como Inácio ? cor incomum em gatos comuns ? e se dispunha a ajudar-me na captura. Lá fomos sob o vento da praia, em seu encalço. E no lugar indicado, pequeno jardim fronteiro a um edifício, estava o gato. A luz não dava para identificá-lo, e ele se recusou à intimidade. Chamados afectuosos não o comoveram; tentativas de aproximação se frustraram. Ele fugia sempre, para voltar se nos via distantes. Amava.
Seria iníquo apartá-lo do alvo de sua obstinada contemplação, a poucos metros. Desistimos. Se for Inácio ? pensei ? dentro de um ou dois dias estará de volta. Não voltou.
Um gato vive um pouco nas poltronas, no cimento ao sol, no telhado sob a lua. Vive também sobre a mesa do escritório, e o salto preciso que ele dá para atingi-la é mais do que impulso para a cultura. É o movimento civilizado de um organismo plenamente ajustado às leis físicas, e que não carece de suplemento de informação. Livros e papéis, beneficiam-se com a sua presteza austera. Mais do que a coruja, o gato é símbolo e guardião da vida intelectual.
Depois que sumiu Inácio, esses pedaços da casa se desvalorizaram. Falta-lhes a nota grave e macia de Inácio. É extraordinário como o gato "funciona" em uma casa: em silêncio, indiferente, mas adesivo e cheio de personalidade. Se se agravar a mediocridade destas crónicas, os senhores estão avisados: é falta de Inácio. Se tinham alguma coisa aproveitável era a presença de Inácio a meu lado, sua crítica muda, através dos olhos de topázio que longamente me fitavam, aprovando algum trecho feliz, ou através do sono profundo, que antecipava a reacção provável dos leitores.
Poderia botar anúncio no jornal. Para quê? Ninguém está pensando em achar gatos. Se Inácio estiver vivo e não sequestrado, voltará sem explicações. É próprio do gato sair sem pedir licença, voltar sem dar satisfação. Se o roubaram, é homenagem a seu charme pessoal, misto de circunspecção e leveza; tratem-no bem, nesse caso, para justificar o roubo, e ainda porque maltratar animais é uma forma de desonestidade. Finalmente, se tiver de voltar, gostaria que o fizesse por conta própria, com suas patas; com a altivez, a serenidade e a elegância dos gatos.
(Crónica extraída do livro "Cadeira de Balanço", Editora Record)
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Uma gatinha branca
Ao escurecer, os garotos estavam sentados à beira da calçada, com certo ar de remorso. Um deles, com uma varinha na mão, revolvia o pêlo branco da gatinha, deitada de flanco, muito triste, com uma expressão de criatura humana. Por baixo do pêlo espesso, via-se-lhe a pele do ventre, ainda clara e um pouco flácida. Estavam calados e um pouco pensativos. Alguns olhavam para a morte pela primeira vez. As meninas haviam protestado em vão. Os garotos riam-se delas. Por fim, fugiram para casa, fizeram queixa às mães, esconderam a cabeça nos braços e choraram.
Tudo começara dias atrás, quando a bela gatinha branca fizera a sua aparição no alto da rua. Não se sabia de onde vinha, se tinha donos, por que passava por ali. As meninas encantaram-se com ela. Tão macia! Tão vagarosa! Parava. Olhava. Quase se imaginava que sorria. Depois continuava o seu caminho. O que via, quem pode saber? Parecia uma princezinha das histórias contadas, toda vestida de arminho, a passear pelo seu reino de flores. Caminhava sobre as folhas secas com tal brandura que não deixava ruído. Entrava pela sombra como nuvem branca em nuvem cinzenta. Seus passos de seda ensurdeciam nas pedras, no cimento, nos tijolos dos muros. Ela mesma, quando parava, parecia procurar-se no seu silêncio, redondo como uma circunferência. Se às vezes elevava um ténue miado, era como um vago bocejo.
Por todos esses motivos, as meninas a amavam e queriam acariciá-la. As mães diziam que era gata de raça; toda branca, toda branca e de olhos vagamente azuis, como duas flores molhadas de orvalho. Mas ao chegarem perto dela, as meninas ficavam um pouco inibidas. Podiam ser arranhadas; pois até onde iria a sua brandura? Ela poderia, também, fugir... Assim, aproximavam-se de mansinho, fazendo psi-psi-psi, com medo de assustá-la. Mas a gatinha não se assustava: detinha-se, ao mesmo tempo curiosa e alheia, esperava delicadamente, e só mesmo quando alguma das meninas se abaixava. para tomá-la nos braços, encolhia-se, toda em pelúcia, e procurava escapar, mas sem nenhuma agressividade. Por duas ou três vezes conseguirão acariciar-lhe a cabeça e viram de perto como eram luminosos os seus olhos, róseo e cetinoso o seu breve focinho e, as suas orelhas, aveludadas. Ofereciam-lhe pedacinhos de pão-de-ló, biscoitos, que ela apanhava no ar, com multa suavidade. E depois desaparecia, mergulhando nas sebes floridas, atravessando cercas e grades, por sucessivos jardins e quintais.
Mas, enquanto as meninas assim a acompanhavam, com olhares maternais, e procuravam todos os dias descobrir de onde vinha, a quem pertencia, e se teria filhotes (pois só pelos seus modos se via que era uma gatinha), os garotos dispunham-se para uma acção de guerra, aparelhando-se com pedras e estilingues para a destroçarem. Quando as meninas souberam disso, protestaram, ameaçaram; as irmãs foram contra os irmãos, arrancaram-lhes as malvadas armas, acusaram-nos na escola e em casa, mas os rapazes apenas baixavam os olhos, talvez para não se descobrir neles o propósito formal do sonhado crime.
Como o crime aconteceu, as meninas não viram. Viram apenas a gatinha morta, com o focinho rebentado e manchas feias no alvo pêlo, tão longo, tão sedoso, tão fofo. Gata de raça ? tinham ouvido dizer dos mais velhos. Não quiseram ver mais nada. Fugiram para as suas casas, cheias de lágrimas, desesperadas, agarraram-se às mães, sacudindo-as, como na esperança de que elas pudessem ressuscitar a gatinha branca. As mães chegaram às janelas, nos portões ? mas não viram nada, porque a gatinha estava do outro lado, depois da esquina. Comentaram, porém, tamanha maldade. Quem fizera aquilo? Por quê? POR QUÊ? As meninas desabafavam-se em explicações de defesa: uma gatinha tão bonita, tão mansa, que nunca arranhou ninguém, que não roubava nada, nem miava, nem fazia barulho... Aparecia, passava, não entrava era casa nenhuma... E de raça! De olhos azuis, toda branca! Teria sido por isso mesmo que a mataram? Por ser diferente? Não fizeram nada aos gatos que se atiravam aos cestos dos peixeiros e aos embrulhos dos açougueiros, sujos, arrepiados, vorazes, com miados ensurdecedores! Ah!
Por muito tempo as meninas ficaram de mal com os meninos e nem se atreviam a perguntar-lhes por que tinham matado a gatinha. POR QUÊ? Os meninos não fizeram caso dessa zanga. Passavam ufanos, de cabeça levantada, numa demonstração de forca bastante insolente, como se bradassem: "Somos homens! Fazemos o que queremos! Já sabemos até matar!" As meninas entendiam.
Isso, porém, foi depois. Naquela tarde, os garotos, sentados à beira da calçada, contemplavam a sua obra, que era aquela incompreensível destruição. (Uma gatinha de raça. Toda branca. sem mancha alguma. Tão gentil! Com aqueles modos tão finos! Sem molestar jamais ninguém! Como nascera aquele ódio? Como se formara aquele crime) Estavam sentados à beira da calçada, mergulhados num mutismo bruto, como se todos fossem um só, numa cumplicidade obscura. E a noção da sua perversidade devia pesar-lhes no coração como urna grande pedra negra.
(Um deles, como para distrair-se, mexia com urna varinha no pêlo branco da gatinha morta. E de certo modo parecia que automaticamente a acariciava.)
(Conto extraído do livro "Ilusões do mundo", Editora Nova Fronteira)
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QUATRO SONETOS A AFRODITE ANADIÓMENA (Vide nota de Jorge de Sena no fim)
I
PANDEMOS
Dentífona apriuna a veste iguana de que se escalca auroma e tentavela. Como superta e buritânea amela se palquitonará transcêndia inana!
Que vúlcios defuratos, que inumana sussúrica donstália penicela às trícotas relesta demiquela, fissivirão boíneos, ó primana!
Dentívolos palpículos, baissai! Lingâmicos dolins, refucarai! Por manivornas contumai a veste!
E, quando prolifarem as sangrárias, lambidonai tutílicos anárias, tão placitantos como o pedipeste.
Assis, 6/5/61
II
ANÓSIA
Que marinais sob tão pora luva de esbanforida pel retinada não dão volpúcia de imajar anteada a que moltínea se adamenta ocuva?
Bocam dedetos calcurando a fuva que arfala e dúpia de antegor tutada, e que tessalta de nigrors nevada. Vitrai, vitrai, que estamineta cuva!
Labiliperta-se infanal a esvebe, agluta, acedirasma, sucamina, e maniter suavira o termidodo.
Que marinais dulcífima contebe, ejacicasto, ejacifasto, arina!... Que marinais, tão pora luva, todo...
Assis, 6/5/61
III
URÂNIA
Purília emancivalva emergidanto, imarculado e róseo, alviridente, na azúrea juventil conquinomente transcurva de aste o fido corpo tanto...
Tenras nadáguas que oculvivam quanto palidiscuro, retradito e olente é mínimo desfincta, repente, rasga e sedente ao duro latipranto.
Adónica se esvolve na ambolia de terso antena avante palpinado. Fimbril, filível, viridorna, gia
em túlida mancia, vaivinado. Transcorre uníflo e suspentreme o dia noturno ao lia e luçardente ao cado.
Assis, 14/5/61
IV
AMÁTIA
Timbórica, morfia, ó persefessa, meláina, andrófona, repitimbídia, ó basilissa, ó scótia, masturlídia, amata cíprea, calipígea, tressa
de jardinatas nigras, pasifessa, luni-rosácea lambidando erídia, erínea, erítia, erótia, erânia, egídia, eurínoma, ambológera, donlessa.
Áres, Hefáistos, Adonísio, tutos alipigmaios, atilícios, futos da lívia damitada, organissanta,
agonimais se esforem morituros, necrotentavos de escancárias duros, tantisqua abradimembra a teia canta.
Assis, 20/6/61
Nota de Jorge de Sena sobre estes quatro sonetos: No post-fácio do volume Metamorfoses, seguidas de Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena, dizia-se o que a seguir se transcreve: "Quanto aos Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena, que encerram e coroam este volume, e são de certo uma supra-metamorfose, limitar-me-ei a transcrever o que, numa carta minha, foi publicado no n° 2, 2° trimestre 1962, de INVENÇÃO, revista de vanguarda, de São Paulo, em que esses sonetos foram primeiro publicados pelos meus amigos concretistas:
"... trata-se de uma experiência (...) para sugerir mais amplamente do que a própria metáfora ambígua, com as suas fixações de sentido, o poderia fazer. Não se trata, portanto, creio eu, nem da transposição do limbo onírico da linguagem, como faz o Joyce de Finnegans Wake, nem da amplificação estilística da linguagem escrita, pela intromissão das formas da deformação oral, como faz Guimarães Rosa. O que eu pretendo é que as palavras deixem de significar semanticamente, para representarem um complexo de imagens suscitadas à consciência liminar pelas associações sonoras que as compõem.
Eu não quero ampliar a linguagem corrente da poesia; quero destrui - la como significação, retirando-lhe o carácter mítico - semântico, que é transferido para a sobreposição de imagens (no sentido psíquico e não estilístico), compondo um sentido global, em que o gesto imaginado valha mais do que a sua mesma designação. No último soneto, a maior parte das palavras não é inventada, mas os epítetos gregos de Afrodite.
E creio ser curioso como, ligeiramente transformados na acentuação (alguns), igualmente contribuem para a criação de uma atmosfera erótica, concreta, cuja concretização não depende do sentido das palavras, mas da fragmentação delas integrada num sentido mais vasto, evolutivo e obsessivo. E creio que, assim, é possível dizer tudo em linguagem poética, sem dizer o que, pelo carácter simbólico e conciso desta linguagem, não pode ser dito sem mau gosto e sem ridículo, como aconteceu ao D.H. Lawrence, quando quis misturar "poesia" e "prosa" para dizer "tudo".
O tudo expressamente dito, é, e tem de ser cada vez mais, o apanágio da ficção. E é preciso que se liquide de uma vez a ilusão de que a ficção pertence à poesia como tal: só pertence à poesia genericamente considerada como criação e construção de estilo. A poesia como criação de linguagem é supra-real, isto é, engloba a realidade e a sua mesma representação linguística."
Após esta transcrição - e avisando, desde já, que os sonetos não são concretistas, e que eu, apesar da estima que os concretistas me merecem, e do interesse que a experiência tem como escola de anti-retórica, não acho que o concretismo seja, em si, um caminho -, eu poderia igualmente dizer que, sob certos aspectos, os sonetos são uma tentativa para retomar em Ângelo de Lima (sem o ultra-romantismo que ainda se prolonga nele) um dos cursos traídos do modernismo português."
Do acima dito, é evidente que todas as palavras, radicais de diversas línguas, etc., foram tratados com absoluto desrespeito, para com elas e eles se fundirem palavras (ou verbos que são conjugados gramaticalmente à portuguesa) sugestivas pelas associações que suscitassem, em ouvidos, é claro, predominantemente da língua portuguesa (embora o autor tenha feito a experiência de que o funcionamento não é inoperante para outras pessoas de outras línguas latinas, ou conhecedoras dessas línguas).
Os títulos dos sonetos são definição da Afrodite referida neles: Pandemos era, em grego, a Afrodite comum, vulgar, a de toda a gente; Anósia era o aspecto negativo e maldito de Afrodite: a "não - sacra"; a Afrodite "Urânia" era a celestial, mas o soneto joga ironicamente com outros sentidos a que o morfema foi aplicado, se bem que evoque a Anadiómena (a que emerge das águas, tal como mitologicamente sucedeu a Afrodite e Boticelli a pintou).
No último dos quatro sonetos, acumulam-se deformados vários dos epítetos gregos de Afrodite e referências directas ou indirectas a amantes seus. Timbórica = a que abre (ou cava) os sepulcros; persefessa = senhora do infra - mundo; meláina = negra; andrófona = andrófonos - matadora dos homens; (r)epimbitídia = a que pousa nos túmulos; basilissa = rainha, imperatriz; scótia = sombria; cíprea = de Chipre; calipígea = de belas nádegas; pasifessa = rebrilhante ao longe; erínea = Afrodite, como "negra", era assimilada às eríneas; e(pitra)gídia = a que cavalga um bode; eurínoma = mãe das graças; ambológera = a que adia a velhice. Ares (o Marte romano), Hefáistos (o Vulcano romano) foram, conforme as lendas, seus maridos e amantes.
Adonísio alude a Adónis, outra vítima das suas paixões (dela), como atilícios alude a Átis, vítima de Cibele (que pode assimilar-se a muitos aspectos de Afrodite), e que era natural da Lícia. O que se pretendeu com esta acumulação foi, ao mesmo tempo que sonoramente criar um ambiente majestoso, dar o carácter sinistro da deusa que, no fim do soneto, devora sexualmente os amantes todos. Quanto aos epítetos, foram aplicado à fé, entre outras fontes, de Carl Kerényi, The Gods of the Greeks, Londres, 1951. E mais não se explica dos sonetos, para deixá-los descrever subliminarmente o que descrevem. Jorge de Sena
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Introdução
Não se pode negar a Garcia Lorca o papel de um dos mais representativos poetas espanhóis das três primeiras décadas de nosso século, com expressiva repercussão até os dias actuais.
Inegavelmente foi aquele que, conseguiu alcançar os patamares da fama e despertar maior entusiasmo dentre todos entre os de sua geração.
Na poesia lorquiana aliam-se, de maneira maravilhosa, todos os elementos da poesia e da alma espanhola. É o poeta da imagem plena de louçania e de originalidade, da sugestão, do verso musical e cheio de luzes interiores que brota com espontaneidade de seu coração...
“ Mas o que vou dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu?
Olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo, e nada mais.
Compreenderás que um poeta não pode dizer nada da poesia. Isso fica para os críticos e professores.
Mas nem tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia."
Lorca
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O POETA PEDE AO SEU AMOR QUE LHE ESCREVA
Amor de minhas entranhas, morte viva, em vão espero tua palavra escrita e penso, com a flor que se murcha, que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte nem conhece a sombra nem a evita. Coração interior não necessita o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias, tigre e pomba, sobre tua cintura em duelo de kordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura ou deixa-me viver em minha serena noite da alma para sempre escura.
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ESTE É O PRÓLOGO
Deixaria neste livro toda a minha alma. este livro que viu as paisagens comigo e viveu horas santas.
Que pena dos livros que nos enchem as mãos de rosas e de estrelas e lentamente passam !
Que tristeza tão funda é olhar os retábulos de dores e de penas que um coração levanta !
Ver passar os espectros de vida que se apagam, ver o homem desnudo em Pégaso sem asas,
ver a vida e a morte, a síntese do mundo, que em espaços profundos se olham e se abraçam.
Um livro de poesias é o Outono morto: os versos são as folhas negras em terras brancas,
e a voz que os lê é o sopro do vento que lhes incute nos peitos - entranháveis distâncias.
O poeta é uma árvore com frutos de tristeza e com folhas murchas de chorar o que ama.
O poeta é o médium da Natureza que explica sua grandeza por meio de palavras.
O poeta compreende todo o incompreensível e as coisas que se odeiam, ele, amigas as chamas.
Sabe que as veredas são todas impossíveis, e por isso de noite vai por elas com calma.
Nos livros de versos, entre rosas de sangue, vão passando as tristes e eternas caravanas
que fizeram ao poeta quando chora nas tardes, rodeado e cingido por seus próprios fantasmas.
Poesia é amargura, mel celeste que emana de um favo invisível que as almas fabricam.
Poesia é o impossível feito possível. Harpa que tem em vez de cordas corações e chamas.
Poesia é a vida que cruzamos com ânsia, esperando o que leva sem rumo a nossa barca.
Livros doces de versos sãos os astros que passam pelo silêncio mudo para o reino do Nada, escrevendo no céu suas estrofes de prata.
Oh ! que penas tão fundas e nunca remediadas, as vozes dolorosas que os poetas cantam !
Deixaria neste livro toda a minha alma...
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VOLTA DE PASSEIO
Assassinado pelo céu, entre as formas que vão para a serpente e as formas que buscam o cristal, deixarei crescer meus cabelos.
Com a árvore de tocos que não canta e o menino com o branco rosto de ovo.
Com os animaizinhos de cabeça rota e a água esfarrapada dos pés secos.
Com tudo o que tem cansaço surdo-mudo e mariposa afogada no tinteiro.
Tropeçando com meu rosto diferente de cada dia. Assassinado pelo céu !
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AR DE NOCTURNO
Tenho muito medo das folhas mortas, medo dos prados cheios de orvalho. eu vou dormir; se não me despertas, deixarei a teu lado meu coração frio.
O que é isso que soa bem longe ? Amor. O vento nas vidraças, amor meu !
Pus em ti colares com gemas de aurora. Por que me abandonas neste caminho ? Se vais muito longe, meu pássaro chora e a verde vinha não dará seu vinho.
O que é isso que soa bem longe ? Amor. O vento nas vidraças, amor meu !
Nunca saberás, esfinge de neve, o muito que eu haveria de te querer essas madrugadas quando chove e no ramo seco se desfaz o ninho.
O que é isso que soa bem longe ? Amor. O vento nas vidraças, amor meu !
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