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LISTA DE POETAS POR ORDEM
ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME
Na minha juventude antes de ter saído da casa de meus pais disposto a viajar eu conhecia já o rebentar do mar das páginas dos livros que já tinha lido Chegava o mês de Maio e era tudo florido o rolo das manhãs punha-se a circular e era só ouvir o sonhador falar da vida como se ela houvesse acontecido E tudo se passava numa outra vida e havia para as coisas sempre uma saída Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer Só sei que tinha o poder duma criança entre as coisas e mim havia vizinhança e tudo era possível era só querer
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Transcrição de uns olhos pretos e de uns sapatos de fivela-Ruy Belo
Crianças com toda a tristeza garantida pela vida por ela consentida e abrangida e afinal mais presente nos olhos do que o próprio olhar tristeza tão pesada e concentrada como a pedra crianças que algum mundo que não este nunca tão poderosamente poderá matar numa vida visivelmente ainda surpreendida por ser coisa pequena embora coisa oposta ao nada na forma diluída por exemplo de um reflexo do olhar crianças criaturas que na superfície da infância sobrenadam submersas crianças mais palavras que conversa crianças tão confusas que confundem em seu desprevenido abismo de surpresa traduzido talvez apenas numas simples duas mãos caídas quem nesta convenção de braços e relógios já apenas conserva ainda acesa a cru capacidade de às crianças consentir um momento ingressar tão agressivas muito a seu pesar na vida negação da vida apenas viva no adulto olhar crianças que conturbam momentaneamente quem é a morte toda condição de vida quem é hábito e calma e só no olhar inquietação crianças referência da infância e inocência contradição unicamente consenti da a quem sabe que só a morte é condição da vida crianças que ao chegar já trazem olhos de partida crianças causa de perturbação e readaptação crianças coisas verdadeiramente incómodas até no à-vontade com que sem bem querer insubordinam a cidade crianças causadoras de uma certa dor sentida ou pensada em quem deixou a vida em divididos dias crianças coisas tão profundas tão perdidas crianças que traí muito bons dias
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meus versos lavro-os ao rubro - Ruy Belo
meus versos lavro-os ao rubro nesta página de terra que abro em lábio. Descubro- -lhe a voz que no fundo encerra. Os versos que faço sou-os A relha rasga-me a vida e amarra os sonhos de voos que eu tinha à terra ferida. Poema que mais que escrevo devo-to em vida. No húmus e regos simples eu levo os meus desvairados rumos. Mas mais que poema meu ( que eu nunca soube palavra) isto que dispo sou eu Poeta não escrevas lavra.
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Feliz aquele que administra sabiamente a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará Oh! como é triste envelhecer à porta entretecer nas mãos um coração tardio Oh como é triste arriscar em humanos regressos o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão ao longo do mar transbordante de nós no demorado adeus da nossa condição É triste no jardim a solidão do sol vê-lo desde o rumor e as casas da cidade até uma vaga promessa de rio e a pequenina vida que se concede às unhas Mais triste é termos de nascer e morrer e haver árvores ao fim da rua É triste ir pela vida como quem regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro É triste no Outono concluir que era o verão a única estação Passou o solitário vento e não o conhecemos e não soubemos ir até ao fundo da verdura como rios que sabem onde encontrar o mar e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver através de palavras de uma água para sempre dita Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã Triste é comprar castanhas depois da tourada entre o fumo e o domingo na tarde de Novembro e ter como futuro o asfalto e muita gente e atrás a vida sem nenhuma infância revendo tudo isto algum tempo depois A tarde morre pelos dias fora É muito triste andar por entre Deus ausente Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente.
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Breve Sonata em Sol [UM] (Menor, Claro)-Ruy Belo
A solidão da árvore sozinha no campo do verão alentejano é só mais solitária do que a minha e teima ali na terra todo o ano quando nem chuva ou vento já lhe fazem companhia e o calor é tão triste como o é somente a alegria Eu passo e passo muito mais que o próprio dia
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Mas que sei eu das folhas no outono ao vento vorazmente arremessadas quando eu passo pelas madrugadas tal como passaria qualquer dono? Eu sei que é vão o vento e lento o sono e acabam coisas mal principiadas no ínvio precipício das geadas que pressinto no meu fundo abandono Nenhum súbito súbdito lamenta a dor de assim passar que me atormenta e me ergue no ar como outra folha qualquer. Mas eu que sei destas manhãs? As coisas vêm vão e são tão vãs como este olhar que ignoro que me olha
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E por que haverias de querer minha alma Na tua cama? Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas Obscenas, porque era assim que gostávamos. Mas não menti gozo prazer lascívia Nem omiti que a alma está além, buscando Aquele Outro. E te repito: por que haverias De querer minha alma na tua cama? Jubila-te da memória de coitos e de acertos. Ou tenta-me de novo. Obriga-me. (Do Desejo - 1992)
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Colada à tua boca a minha desordem - Hilda Hilst
Colada à tua boca a minha desordem. O meu vasto querer. O incompossível se fazendo ordem. Colada à tua boca, mas descomedida Árdua Construtor de ilusões examino-te sôfrega Como se fosses morrer colado à minha boca. Como se fosse nascer E tu fosses o dia magnânimo Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer. ( Do Desejo - 1992)
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Que canto há de cantar o que perdura? - Hilda Hilst
Que canto há de cantar o que perdura? A sombra, o sonho, o labirinto, o caos A vertigem de ser, a asa, o grito. Que mitos, meu amor, entre os lençóis: O que tu pensas gozo é tão finito E o que pensas amor é muito mais. Como cobrir-te de pássaros e plumas E ao mesmo tempo te dizer adeus Porque imperfeito és carne e perecível E o que eu desejo é luz e imaterial. Que canto há de cantar o indefinível? O toque sem tocar, o olhar sem ver A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis. Como te amar, sem nunca merecer? (Do Desejo - Campinas, SP: Pontes, 1992.)
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Que Este Amor Não Me Cegue Nem Me Siga - Hilda Hilst
Que este amor não me cegue nem me siga. E de mim mesma nunca se aperceba. Que me exclua de estar sendo perseguida E do tormento De só por ele me saber estar sendo. Que o olhar não se perca nas tulipas Pois formas tão perfeitas de beleza Vêm do fulgor das trevas. E o meu Senhor habita o rutilante escuro De um suposto de heras em alto muro. Que este amor só me faça descontente E farta de fadigas. E de fragilidades tantas Eu me faça pequena. E diminuta e tenra Como só soem ser aranhas e formigas. Que este amor só me veja de partida.
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Trovas De Muito Amor Para Um Amado Senhor - Hilda Hilst
Nave Ave Moinho E tudo mais serei Para que seja leve Meu passo Em vosso caminho. Dizeis que tenho vaidades. E que no vosso entender Mulheres de pouca idade Que não se queiram perder É preciso que não tenham Tantas e tais veleidades. Senhor, se a mim me acrescento Flores e renda, cetins, Se solto o cabelo ao vento É bem por vós, não por mim. Tenho dois olhos contentes E a boca fresca e rosada. E a vaidade só consente Vaidades, se desejada. E além de vós Não desejo nada. (Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)
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Dez Chamamentos ao Amigo - Hilda Hilst
Se te pareço nocturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há tanto tempo Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento. (Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)
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Árias Pequenas. Para Bandolim - Hilda Hilst
Antes que o mundo acabe, Túlio, Deita-te e prova Esse milagre do gosto Que se fez na minha boca Enquanto o mundo grita Belicoso. E ao meu lado Te fazes árabe, me faço israelita E nos cobrimos de beijos E de flores Antes que o mundo se acabe Antes que acabe em nós Nosso desejo. (Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Árias Pequenas. Para Bandolim - XI)
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A Eugénio de Andrade Agradecendo "Até Amanhã"-José Fernandes Fafe
Lembras-te da primeira vigília que fizeste, à espera, trémulo, da madrugada nova? Deu o meio-dia, tilintava o oiro, e anoiteceu-nos como se a nossa amada fosse a descer à cova. Depois, tu esperaste sempre a madrugada, mas sempre a noite paria nados - mortos, sempre a esperança espancada cada dia: frágil, de luz e de cristal, a tua fé embaciou-se de melancolia... Mas tu esperas ainda - porque os teus versos ainda são os do rapaz maravilhado pela afogueada cor duma romã. E vem dele a saúde a quem se cruza contigo, no branco litoral: "Até amanhã"
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Testamento, Entre os Pinheiros e o Mar - José Fernandes Fafe
Se eu morrer primeiro do que tu, salva a ternura que salvei. Depois, se te doer, firma o olhar nas ondas mais longínquas do mar largo, destrói a dor nas lágrimas, e o vento que te escoace a saia e o cabelo, pinheiro firme, cego dos sentidos, entre as flores silvestres e a espuma... E o indício de tudo ter passado (eu, um tempo feliz que se recorda) é sentires o longo, íntimo afago do marulho do mar, mãos pelos cabelos...
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De que é feito esse amor?, perguntam-me e não sei... Da matéria da noite mais impávida, onde as estrelas inscrevem uma lei... Da estrada longa e da cegueira ávida com que quiseste povoar de amor os ermos... Longe, os cães das quintas ladravam-te com raiva... (Vejo o teu gesto, um franciscano aceno, vejo a minha mão crispar-se, dolorida, vejo unir-nos num abraço o desespero...) Das trevas, do linho negro em que tecemos a manta na noite dos pobres estendida... (Senhora, acamaradando-se dói menos...) Das mãos dadas, pelo sono dos casais, pela Vida, pela emboscada - onde caíste de cansaço e me rasgaram a rubra e funda ferida donde manam - o baço tempo, o alaranjado lume e a inexorável frialdade de aço que um anjo tutelar em si reúne.
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Os putos - José Carlos Ary dos Santos
Uma bola de pano, num charco Um sorriso traquina, um chuto Na ladeira a correr, um arco O céu no olhar, dum puto. Uma fisga que atira a esperança Um pardal de calções, astuto E a força de ser criança Contra a força dum chui, que é bruto. Parecem bandos de pardais à solta Os putos, os putos São como índios, capitães da malta Os putos, os putos Mas quando a tarde cai Vai-se a revolta Sentam-se ao colo do pai É a ternura que volta E ouvem-no a falar do homem novo São os putos deste povo A aprenderem a ser homens. As caricas brilhando na mão A vontade que salta ao eixo Um puto que diz que não Se a porrada vier não deixo Um berlinde abafado na escola Um pião na algibeira sem cor Um puto que pede esmola Porque a fome lhe abafa a dor.
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Auto-Retrato - José Carlos Ary dos Santos
Poeta é certo mas de cetineta fulgurante de mais para alguns olhos bom artesão na arte da proveta narciso de lombardas e repolhos. Cozido à portuguesa mais as carnes suculentas da auto-importância com toicinho e talento ambas partes do meu caldo entornado na infância. Nos olhos uma folha de hortelã que é verde como a esperança que amanhã amanheça de vez a desventura. Poeta de combate disparate palavrão de machão no escaparate porém morrendo aos poucos de ternura.
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Desfolhada - José Carlos Ary dos Santos
Corpo de linho lábios de mosto meu corpo lindo meu fogo posto. Eira de milho luar de Agosto quem faz um filho fá-lo por gosto. É milho - rei milho vermelho cravo de carne bago de amor filho de um rei que sendo velho volta a nascer quando há calor. Minha palavra dita à luz do sol nascente meu madrigal de madrugada amor amor amor amor amor presente em cada espiga desfolhada. Minha raiz de pinho verde meu céu azul tocando a serra oh minha água e minha sede oh mar ao sul da minha terra. É trigo loiro é além tejo o meu país neste momento o sol o queima o vento o beija seara louca em movimento. Minha palavra dita à luz do sol nascente meu madrigal de madrugada amor amor amor amor amor presente em cada espiga desfolhada. Olhos de amêndoa cisterna escura onde se alpendra a desventura. Moira escondida moira encantada lenda perdida lenda encontrada. Oh minha terra minha aventura casca de noz desamparada. Oh minha terra minha lonjura por mim perdida por mim achada.
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A cidade é um chão de palavras pisadas - José Carlos Ary dos Santos
A cidade é um chão de palavras pisadas a palavra criança a palavra segredo. A cidade é um céu de palavras paradas a palavra distância e a palavra medo. A cidade é um saco um pulmão que respira pela palavra água pela palavra brisa A cidade é um poro um corpo que transpira pela palavra sangue pela palavra ira. A cidade tem praças de palavras abertas como estátuas mandadas apear. A cidade tem ruas de palavras desertas como jardins mandados arrancar. A palavra sarcasmo é uma rosa rubra. A palavra silêncio é uma rosa chá. Não há céu de palavras que a cidade não cubra não há rua de sons que a palavra não corra à procura da sombra de uma luz que não há.
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Epígrafe - José Carlos Ary dos Santos
De palavras não sei. Apenas tento desvendar o seu lento movimento quando passam ao longo do que invento como pre-feitos blocos de cimento. De palavras não sei. Apenas quero retomar-lhes o peso a consistência e com elas erguer a fogo e ferro um palácio de força e resistência. De palavras não sei. Por isso canto em cada uma apenas outro tanto do que sinto por dentro quando as digo. Palavra que me lavra. Alfaia escrava. De mim próprio matéria bruta e brava --- expressão da multidão que está comigo.
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Ecce Homo - José Carlos Ary dos Santos
Desbaratamos deuses, procurando Um que nos satisfaça ou justifique. Desbaratamos esperança, imaginando Uma causa maior que nos explique. Pensando nos secamos e perdemos Esta força selvagem e secreta, Esta semente agreste que trazemos E gera heróis e homens e poetas. Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo Malhando-nos a carne, até que em brasa Nossos sexos furiosos se confundam, Nossos corpos pensantes se entrelacem E sangue, raiva, desespero ou asa, Os filhos que tivermos forem nossos.
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Meu amor, meu amor - José Carlos Ary dos Santos
Meu amor meu amor meu corpo em movimento minha voz à procura do seu próprio lamento. Meu limão de amargura meu punhal a escrever nós parámos o tempo não sabemos morrer e nascemos nascemos do nosso entristecer. Meu amor meu amor meu nó e sofrimento minha mó de ternura minha nau de tormento este mar não tem cura este céu não tem ar nós parámos o vento não sabemos nadar e morremos morremos devagar devagar.
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Poesia - Orgasmo - José Carlos Ary dos Santos
De silabas de letras de fonemas se faz a escrita. Não se faz um verso. Tem de correr no corpo dos poemas o sangue das artérias do universo. Cada palavra há-de ser um grito. Um murmúrio um gemido uma erecção que transporte do humano ao infinito a dor o fogo a flor a vibração. A poesia é de mel ou de cicuta? Quando um poeta se interroga e escuta ouve ternura luta espanto ou espasmo? Ouve como quiser seja o que for fazer poemas é escrever amor a poesia o que tem de ser é orgasmo.
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Para sempre - Carlos Drummond de Andrade
Por que Deus permite Que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, É tempo sem hora, Luz que não apaga Quando sopra o vento E chuva desaba, Veludo escondido Na pele enrugada, Água pura, ar puro, Puro pensamento. Morrer acontece Com o que é breve e passa Sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, É eternidade! Por que Deus se lembra - mistério profundo - De tirá-la um dia? Fosse eu Rei do mundo, Baixava uma lei: Mãe não morre nunca, Mãe ficará sempre Junto do seu filho E ele, velho embora, Será pequenino Feito grão de milho.
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Procura da poesia - Carlos Drummond de Andrade
Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, Há calma e frescura na superfície intacta. Hei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas antes de escrevê-los. Tem paciência, se obscuros. Calma se te provocam. Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceita-o Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço. Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sobre a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave? Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiaram da noite as palavras. Ainda húmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
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No Meio do Caminho - Carlos Drummond de Andrade
No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.
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Aquela nuvem - José Gomes Ferreira
Aquela nuvem Parece um cavalo... Ah! Se eu pudesse montá-lo! Aquela? Mas já não é um cavalo, É uma barca à vela. Não faz mal. Queria embarcar nela. Aquela? Mas já não é um navio, É uma torre amarela A vogar no frio Onde encerraram uma donzela. Não faz mal. Quero ter asas Para a espreitar da janela. Vá, lancem-me no mar Donde voam as nuvens Para ir numa delas Tomar mil formas Com sabor a sal - Labirinto de sombras e de cisnes No céu de água - sol - vento - luz concreto e irreal...
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Vivam, apenas - José Gomes Ferreira
Vivam, apenas. Sejam bons como o sol. Livres como o vento Naturais como as fontes. Imitem as árvores dos caminhos Que dão flores e frutos Sem complicações. Mas não queiram convencer os cardos A transformar os espinhos Em rosas e canções. E principalmente não pensem na Morte. Não sofram por causa dos cadáveres Que só são belos Quando se desenham na terra em flores. Vivam, apenas. A morte é para os mortos.
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A poesia não é um dialecto - José Gomes Ferreira
A poesia não é um dialecto para bocas irreais. Nem o suor concreto das palavras banais. É talvez o sussurro daquele insecto de que ninguém sabe os sinais. Silêncio insurrecto.
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Vai-te poesia - José Gomes Ferreira
Vai-te poesia! Deixa-me ver friamente a realidade nua sem ninfas de iludir ou violinos de lua. Vai-te, Poesia! Não transformes o mundo descarnado e terrível num céu de esquecer com mendigos de nuvens famintos de estrelas e feridas a cheirarem a cravos - enquanto os outros, os de carne verdadeira, uivam em vão a sua fome de cadeias e de pão. Vai-te, Poesia! Deixa-me ver a vida exacta e intolerável neste planeta feito de carne humana a chorar onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos com bandeiras de lume nos olhos, para fabricar sonhos carregados de dinamite de lágrimas. Vai-te, Poesia!
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Seguiam em passos rápidos - João Miguel Fernandes Jorge
Seguiam em passos rápidos pelas estreitas ruas da vila. O caminho principal era agora uma avenida larga de árvores. Fealdade, de pequena terra em parte lojas de comércio casas de habitação. Andavam através de tanta mesquinhez pela rua enlameada e torpe, o corpo desejo exposto a todos os olhares
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Voltou o rosto - João Miguel Fernandes Jorge
Voltou o rosto e viu o outro: a cabeça baixa, os braços estendidos, mãos sobre os joelhos. Contemplou-o sob o peso da amargura. Disse-lhe o nome. Uma única palavra, áspera corda na claridade da noite.
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Nos lábios, um sorriso - João Miguel Fernandes Jorge
Nos lábios, um sorriso revelava o arcano do seu coração.
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Recusarei a ave que pergunta - João Miguel Fernandes Jorge
Recusarei a ave que pergunta no Inverno a floresta que jurei plantar? E se a asa não passa de um adeus, depois pedra corroída? O rosto, rosa e Junho caminhando. Não há terra nem água no nosso pensamento. Tu, destruída, os olhos foram verdes ou castanhos? Não conheço entre amor e festa, entre erva e dedos. A alma toma fim em nenhuma destas partes, creio? Um rei procura os limites do mar, o poeta o sono através da unidade. E eu erguendo recordação ou fuga?
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Perguntas quem acompanha o tempo em nosso rosto - João Miguel Fernandes Jorge
Perguntas quem acompanha o tempo em nosso rosto, quem espera o peso do sangue em nossos olhos, o ritmo dia a dia pedra de nossos membros, o verão que não mudará a nossa casa, a violência que espalhará fumo no fogo das nossas máscaras, tudo isto, a navalha do meu corpo, a corrente da praia que tanto reconhecias, perguntas o caminho que ousei desde menino, que se gravou em minhas mãos e as fez tremer tristes e diferentes. Quem acompanha a dor que escolhemos, o espaço que ocupamos, a maneira de dizer coração, a imagem quebrada de uma igreja, o canteiro do jardim, lá atrás, muito lá detrás vens perguntando quem acompanha o nosso rosto, ele, ele que não amou ninguém, que não amou ninguém.
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A Estátua
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Ninguém
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Lá vem a noite, as serras contornando;
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