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LISTA DE POETAS POR ORDEM ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME


E Tudo era possível - Ruy Belo

 

Na minha juventude antes de ter saído

da casa de meus pais disposto a viajar

eu conhecia já o rebentar do mar

das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de Maio e era tudo florido

o rolo das manhãs punha-se a circular

e era só ouvir o sonhador falar

da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida

e havia para as coisas sempre uma saída

Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança

entre as coisas e mim havia vizinhança

e tudo era possível era só querer

 

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Transcrição de uns olhos pretos e de uns sapatos de fivela-Ruy Belo

 

Crianças com toda a tristeza garantida pela vida

por ela consentida e abrangida e afinal

mais presente nos olhos do que o próprio olhar

tristeza tão pesada e concentrada como a pedra

crianças que algum mundo que não este nunca

tão poderosamente poderá matar

numa vida visivelmente ainda surpreendida

por ser coisa pequena embora coisa oposta ao nada

na forma diluída por exemplo de um reflexo do olhar

crianças criaturas que na superfície da infância

sobrenadam submersas crianças mais palavras que conversa

crianças tão confusas que confundem

em seu desprevenido abismo de surpresa

traduzido talvez apenas numas simples duas mãos caídas

quem nesta convenção de braços e relógios

já apenas conserva ainda acesa

a cru capacidade de às crianças consentir

um momento ingressar tão agressivas muito a seu pesar

na vida negação da vida apenas viva no adulto olhar

crianças que conturbam momentaneamente

quem é a morte toda condição de vida

quem é hábito e calma e só no olhar inquietação

crianças referência da infância e inocência

contradição unicamente consenti da

a quem sabe que só a morte é condição da vida

crianças que ao chegar já trazem olhos de partida

crianças causa de perturbação e readaptação

crianças coisas verdadeiramente incómodas até no

à-vontade

com que sem bem querer insubordinam a cidade

crianças causadoras de uma certa dor sentida ou pensada

em quem deixou a vida em divididos dias

crianças coisas tão profundas tão perdidas

crianças que traí muito bons dias

 

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meus versos lavro-os ao rubro - Ruy Belo

 

meus versos lavro-os ao rubro

nesta página de terra

que abro em lábio. Descubro-

-lhe a voz que no fundo encerra.

Os versos que faço sou-os

A relha rasga-me a vida

e amarra os sonhos de voos

que eu tinha à terra ferida.

Poema que mais que escrevo

devo-to em vida. No húmus

e regos simples eu levo

os meus desvairados rumos.

Mas mais que poema meu

( que eu nunca soube palavra)

isto que dispo sou eu

Poeta não escrevas lavra.

 

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A mão no arado - Ruy Belo

 

Feliz aquele que administra sabiamente

a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias

Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta

entretecer nas mãos um coração tardio

Oh como é triste arriscar em humanos regressos

o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão

ao longo do mar transbordante de nós

no demorado adeus da nossa condição

É triste no jardim a solidão do sol

vê-lo desde o rumor e as casas da cidade

até uma vaga promessa de rio

e a pequenina vida que se concede às unhas

Mais triste é termos de nascer e morrer

e haver árvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem

regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro

É triste no Outono concluir

que era o verão a única estação

Passou o solitário vento e não o conhecemos

e não soubemos ir até ao fundo da verdura

como rios que sabem onde encontrar o mar

e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver

através de palavras de uma água para sempre dita

Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã

Triste é comprar castanhas depois da tourada

entre o fumo e o domingo na tarde de Novembro

e ter como futuro o asfalto e muita gente

e atrás a vida sem nenhuma infância

revendo tudo isto algum tempo depois

A tarde morre pelos dias fora

É muito triste andar por entre Deus ausente

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente.

 

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Breve Sonata em Sol [UM] (Menor, Claro)-Ruy Belo

 

A solidão da árvore sozinha

no campo do verão alentejano

é só mais solitária do que a minha

e teima ali na terra todo o ano

quando nem chuva ou vento já lhe fazem companhia

e o calor é tão triste como o é somente a alegria

Eu passo e passo muito mais que o próprio dia

 

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Mas que sei eu - Ruy Belo

 

Mas que sei eu das folhas no outono

ao vento vorazmente arremessadas

quando eu passo pelas madrugadas

tal como passaria qualquer dono?

Eu sei que é vão o vento e lento o sono

e acabam coisas mal principiadas

no ínvio precipício das geadas

que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta

a dor de assim passar que me atormenta

e me ergue no ar como outra folha

qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?

As coisas vêm vão e são tão vãs

como este olhar que ignoro que me olha

 

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Do Desejo - Hilda Hilst

 

E por que haverias de querer minha alma

Na tua cama?

Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas

Obscenas, porque era assim que gostávamos.

Mas não menti gozo prazer lascívia

Nem omiti que a alma está além, buscando

Aquele Outro. E te repito: por que haverias

De querer minha alma na tua cama?

Jubila-te da memória de coitos e de acertos.

Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

(Do Desejo - 1992)

 

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Colada à tua boca a minha desordem - Hilda Hilst

 

Colada à tua boca a minha desordem.

O meu vasto querer.

O incompossível se fazendo ordem.

Colada à tua boca, mas descomedida

Árdua

Construtor de ilusões examino-te sôfrega

Como se fosses morrer colado à minha boca.

Como se fosse nascer

E tu fosses o dia magnânimo

Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.

( Do Desejo - 1992)

 

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Que canto há de cantar o que perdura? - Hilda Hilst

 

Que canto há de cantar o que perdura?

A sombra, o sonho, o labirinto, o caos

A vertigem de ser, a asa, o grito.

Que mitos, meu amor, entre os lençóis:

O que tu pensas gozo é tão finito

E o que pensas amor é muito mais.

Como cobrir-te de pássaros e plumas

E ao mesmo tempo te dizer adeus

Porque imperfeito és carne e perecível

E o que eu desejo é luz e imaterial.

Que canto há de cantar o indefinível?

O toque sem tocar, o olhar sem ver

A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.

Como te amar, sem nunca merecer?

(Do Desejo - Campinas, SP: Pontes, 1992.)

 

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Que Este Amor Não Me Cegue Nem Me Siga - Hilda Hilst

 

Que este amor não me cegue nem me siga.

E de mim mesma nunca se aperceba.

Que me exclua de estar sendo perseguida

E do tormento

De só por ele me saber estar sendo.

Que o olhar não se perca nas tulipas

Pois formas tão perfeitas de beleza

Vêm do fulgor das trevas.

E o meu Senhor habita o rutilante escuro

De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente

E farta de fadigas. E de fragilidades tantas

Eu me faça pequena. E diminuta e tenra

Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

 

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Trovas De Muito Amor Para Um Amado Senhor - Hilda Hilst

 

Nave

Ave

Moinho

E tudo mais serei

Para que seja leve

Meu passo

Em vosso caminho.

Dizeis que tenho vaidades.

E que no vosso entender

Mulheres de pouca idade

Que não se queiram perder

É preciso que não tenham

Tantas e tais veleidades.

Senhor, se a mim me acrescento

Flores e renda, cetins,

Se solto o cabelo ao vento

É bem por vós, não por mim.

Tenho dois olhos contentes

E a boca fresca e rosada.

E a vaidade só consente

Vaidades, se desejada.

E além de vós

Não desejo nada.

(Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)

 

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Dez Chamamentos ao Amigo - Hilda Hilst

 

Se te pareço nocturna e imperfeita

Olha-me de novo. Porque esta noite

Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.

E era como se a água

Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio

E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo

Entendo que sou terra. Há tanto tempo

Espero

Que o teu corpo de água mais fraterno

Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.

E mais atento.

(Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)

 

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Árias Pequenas. Para Bandolim - Hilda Hilst

 

Antes que o mundo acabe, Túlio,

Deita-te e prova

Esse milagre do gosto

Que se fez na minha boca

Enquanto o mundo grita

Belicoso. E ao meu lado

Te fazes árabe, me faço israelita

E nos cobrimos de beijos

E de flores

Antes que o mundo se acabe

Antes que acabe em nós

Nosso desejo.

(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) -

Árias Pequenas. Para Bandolim - XI)

 

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A Eugénio de Andrade Agradecendo "Até Amanhã"-José Fernandes Fafe

 

Lembras-te da primeira vigília que fizeste,

à espera, trémulo, da madrugada nova?

Deu o meio-dia, tilintava o oiro,

e anoiteceu-nos como se a nossa amada

fosse a descer à cova.

Depois,

tu esperaste sempre a madrugada,

mas sempre a noite paria nados - mortos,

sempre a esperança espancada cada dia:

frágil, de luz e de cristal, a tua fé

embaciou-se de melancolia...

Mas tu esperas ainda

- porque os teus versos ainda são

os do rapaz maravilhado

pela afogueada cor duma romã.

E vem dele a saúde a quem se cruza

contigo, no branco litoral:

"Até amanhã"

 

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Testamento, Entre os Pinheiros e o Mar - José Fernandes Fafe

 

Se eu morrer primeiro do que tu,

salva a ternura que salvei.

Depois, se te doer, firma o olhar

nas ondas mais longínquas do mar largo,

destrói a dor nas lágrimas, e o vento

que te escoace a saia e o cabelo,

pinheiro firme, cego dos sentidos,

entre as flores silvestres e a espuma...

E o indício de tudo ter passado

(eu, um tempo feliz que se recorda)

é sentires o longo, íntimo afago

do marulho do mar, mãos pelos cabelos...

 

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Exegese - José Fernandes Fafe

 

De que é feito esse amor?, perguntam-me e não sei...

Da matéria da noite mais impávida,

onde as estrelas inscrevem uma lei...

Da estrada longa e da cegueira ávida

com que quiseste povoar de amor os ermos...

Longe, os cães das quintas ladravam-te com raiva...

(Vejo o teu gesto, um franciscano aceno,

vejo a minha mão crispar-se, dolorida,

vejo unir-nos num abraço o desespero...)

Das trevas, do linho negro em que tecemos

a manta na noite dos pobres estendida...

(Senhora, acamaradando-se dói menos...)

Das mãos dadas, pelo sono dos casais, pela Vida,

pela emboscada - onde caíste de cansaço

e me rasgaram a rubra e funda ferida

donde manam - o baço tempo, o alaranjado lume

e a inexorável frialdade de aço

que um anjo tutelar em si reúne.

 

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Os putos - José Carlos Ary dos Santos

 

Uma bola de pano, num charco

Um sorriso traquina, um chuto

Na ladeira a correr, um arco

O céu no olhar, dum puto.

Uma fisga que atira a esperança

Um pardal de calções, astuto

E a força de ser criança

Contra a força dum chui, que é bruto.

Parecem bandos de pardais à solta

Os putos, os putos

São como índios, capitães da malta

Os putos, os putos

Mas quando a tarde cai

Vai-se a revolta

Sentam-se ao colo do pai

É a ternura que volta

E ouvem-no a falar do homem novo

São os putos deste povo

A aprenderem a ser homens.

As caricas brilhando na mão

A vontade que salta ao eixo

Um puto que diz que não

Se a porrada vier não deixo

Um berlinde abafado na escola

Um pião na algibeira sem cor

Um puto que pede esmola

Porque a fome lhe abafa a dor.

 

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Auto-Retrato - José Carlos Ary dos Santos

 

Poeta é certo mas de cetineta

fulgurante de mais para alguns olhos

bom artesão na arte da proveta

narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes

suculentas da auto-importância

com toicinho e talento ambas partes

do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã

que é verde como a esperança que amanhã

amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate

palavrão de machão no escaparate

porém morrendo aos poucos de ternura.

 

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Desfolhada - José Carlos Ary dos Santos

 

Corpo de linho

lábios de mosto

meu corpo lindo

meu fogo posto.

Eira de milho

luar de Agosto

quem faz um filho

fá-lo por gosto.

É milho - rei

milho vermelho

cravo de carne

bago de amor

filho de um rei

que sendo velho

volta a nascer

quando há calor.

Minha palavra dita à luz do sol nascente

meu madrigal de madrugada

amor amor amor amor amor presente

em cada espiga desfolhada.

Minha raiz de pinho verde

meu céu azul tocando a serra

oh minha água e minha sede

oh mar ao sul da minha terra.

É trigo loiro

é além tejo

o meu país

neste momento

o sol o queima

o vento o beija

seara louca em movimento.

Minha palavra dita à luz do sol nascente

meu madrigal de madrugada

amor amor amor amor amor presente

em cada espiga desfolhada.

Olhos de amêndoa

cisterna escura

onde se alpendra

a desventura.

Moira escondida

moira encantada

lenda perdida

lenda encontrada.

Oh minha terra

minha aventura

casca de noz

desamparada.

Oh minha terra

minha lonjura

por mim perdida

por mim achada.

 

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A cidade é um chão de palavras pisadas - José Carlos Ary dos Santos

 

A cidade é um chão de palavras pisadas

a palavra criança a palavra segredo.

A cidade é um céu de palavras paradas

a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira

pela palavra água pela palavra brisa

A cidade é um poro um corpo que transpira

pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas

como estátuas mandadas apear.

A cidade tem ruas de palavras desertas

como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.

A palavra silêncio é uma rosa chá.

Não há céu de palavras que a cidade não cubra

não há rua de sons que a palavra não corra

à procura da sombra de uma luz que não há.

 

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Epígrafe - José Carlos Ary dos Santos

 

De palavras não sei. Apenas tento

desvendar o seu lento movimento

quando passam ao longo do que invento

como pre-feitos blocos de cimento.

De palavras não sei. Apenas quero

retomar-lhes o peso a consistência

e com elas erguer a fogo e ferro

um palácio de força e resistência.

De palavras não sei. Por isso canto

em cada uma apenas outro tanto

do que sinto por dentro quando as digo.

Palavra que me lavra. Alfaia escrava.

De mim próprio matéria bruta e brava

--- expressão da multidão que está comigo.

 

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Ecce Homo - José Carlos Ary dos Santos

 

Desbaratamos deuses, procurando

Um que nos satisfaça ou justifique.

Desbaratamos esperança, imaginando

Uma causa maior que nos explique.

Pensando nos secamos e perdemos

Esta força selvagem e secreta,

Esta semente agreste que trazemos

E gera heróis e homens e poetas.

Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo

Malhando-nos a carne, até que em brasa

Nossos sexos furiosos se confundam,

Nossos corpos pensantes se entrelacem

E sangue, raiva, desespero ou asa,

Os filhos que tivermos forem nossos.

 

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Meu amor, meu amor - José Carlos Ary dos Santos

 

Meu amor meu amor

meu corpo em movimento

minha voz à procura

do seu próprio lamento.

Meu limão de amargura meu punhal a escrever

nós parámos o tempo não sabemos morrer

e nascemos nascemos

do nosso entristecer.

Meu amor meu amor

meu nó e sofrimento

minha mó de ternura

minha nau de tormento

este mar não tem cura este céu não tem ar

nós parámos o vento não sabemos nadar

e morremos morremos

devagar devagar.

 

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Poesia - Orgasmo - José Carlos Ary dos Santos

 

De silabas de letras de fonemas

se faz a escrita. Não se faz um verso.

Tem de correr no corpo dos poemas

o sangue das artérias do universo.

Cada palavra há-de ser um grito.

Um murmúrio um gemido uma erecção

que transporte do humano ao infinito

a dor o fogo a flor a vibração.

A poesia é de mel ou de cicuta?

Quando um poeta se interroga e escuta

ouve ternura luta espanto ou espasmo?

Ouve como quiser seja o que for

fazer poemas é escrever amor

a poesia o que tem de ser é orgasmo.

 

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Para sempre - Carlos Drummond de Andrade

 

Por que Deus permite

Que as mães vão-se embora?

Mãe não tem limite,

É tempo sem hora,

Luz que não apaga

Quando sopra o vento

E chuva desaba,

Veludo escondido

Na pele enrugada,

Água pura, ar puro,

Puro pensamento.

Morrer acontece

Com o que é breve e passa

Sem deixar vestígio.

Mãe, na sua graça,

É eternidade!

Por que Deus se lembra

- mistério profundo -

De tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do mundo,

Baixava uma lei:

Mãe não morre nunca,

Mãe ficará sempre

Junto do seu filho

E ele, velho embora,

Será pequenino

Feito grão de milho.

 

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Procura da poesia - Carlos Drummond de Andrade

 

Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

Há calma e frescura na superfície intacta.

Hei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas antes de escrevê-los.

Tem paciência, se obscuros. Calma se te provocam.

Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema. Aceita-o

Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma tem mil faces secretas sobre a face neutra e te pergunta,

sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiaram da noite as palavras.

Ainda húmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

 

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No Meio do Caminho - Carlos Drummond de Andrade

 

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

 

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Aquela nuvem - José Gomes Ferreira

 

Aquela nuvem

Parece um cavalo...

Ah! Se eu pudesse montá-lo!

Aquela?

Mas já não é um cavalo,

É uma barca à vela.

Não faz mal.

Queria embarcar nela.

Aquela?

Mas já não é um navio,

É uma torre amarela

A vogar no frio

Onde encerraram uma donzela.

Não faz mal.

Quero ter asas

Para a espreitar da janela.

Vá, lancem-me no mar

Donde voam as nuvens

Para ir numa delas

Tomar mil formas

Com sabor a sal

- Labirinto de sombras e de cisnes

No céu de água - sol - vento - luz concreto e irreal...

 

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Vivam, apenas - José Gomes Ferreira

 

Vivam, apenas.

Sejam bons como o sol.

Livres como o vento

Naturais como as fontes.

Imitem as árvores dos caminhos

Que dão flores e frutos

Sem complicações.

Mas não queiram convencer os cardos

A transformar os espinhos

Em rosas e canções.

E principalmente não pensem na Morte.

Não sofram por causa dos cadáveres

Que só são belos

Quando se desenham na terra em flores.

Vivam, apenas.

A morte é para os mortos.

 

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A poesia não é um dialecto - José Gomes Ferreira

 

A poesia não é um dialecto

para bocas irreais.

Nem o suor concreto

das palavras banais.

É talvez o sussurro daquele insecto

de que ninguém sabe os sinais.

Silêncio insurrecto.

 

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Vai-te poesia - José Gomes Ferreira

 

Vai-te poesia!

Deixa-me ver friamente

a realidade nua

sem ninfas de iludir

ou violinos de lua.

Vai-te, Poesia!

Não transformes o mundo

descarnado e terrível

num céu de esquecer

com mendigos de nuvens

famintos de estrelas

e feridas a cheirarem a cravos

- enquanto os outros, os de carne verdadeira,

uivam em vão

a sua fome de cadeias

e de pão.

Vai-te, Poesia!

Deixa-me ver a vida

exacta e intolerável

neste planeta feito de carne humana a chorar

onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos

com bandeiras de lume nos olhos,

para fabricar sonhos

carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia!

 

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Seguiam em passos rápidos - João Miguel Fernandes Jorge

 

Seguiam em passos rápidos

pelas estreitas ruas da vila.

O caminho principal era agora

uma avenida larga

de árvores.

Fealdade, de pequena terra

em parte lojas de comércio

casas de habitação.

Andavam através de tanta mesquinhez

pela rua enlameada e torpe,

o corpo

desejo exposto a todos os olhares

 

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Voltou o rosto - João Miguel Fernandes Jorge

 

Voltou o rosto

e viu o outro: a cabeça

baixa, os braços estendidos,

mãos sobre os joelhos.

Contemplou-o sob o peso da

amargura.

Disse-lhe o nome.

Uma única palavra,

áspera corda na claridade da noite.

 

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Nos lábios, um sorriso - João Miguel Fernandes Jorge

 

Nos lábios, um sorriso

revelava o arcano do seu coração.

 

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Recusarei a ave que pergunta - João Miguel Fernandes Jorge

 

Recusarei a ave que pergunta

no Inverno a floresta que jurei

plantar? E se a asa não passa de

um adeus, depois pedra corroída?

O rosto, rosa e Junho caminhando.

Não há terra nem água no nosso

pensamento. Tu, destruída, os olhos

foram verdes ou castanhos?

Não conheço entre amor e festa,

entre erva e dedos. A alma toma fim

em nenhuma destas partes, creio?

Um rei procura os limites do mar,

o poeta o sono através da unidade.

E eu erguendo recordação ou fuga?

 

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Perguntas quem acompanha o tempo em nosso rosto - João Miguel Fernandes Jorge

 

Perguntas quem acompanha o tempo em nosso rosto,

quem espera o peso do sangue em nossos olhos, o ritmo

dia a dia pedra de nossos membros, o verão que não

mudará a nossa casa, a violência que espalhará

fumo no fogo das nossas máscaras, tudo isto,

a navalha do meu corpo, a corrente da praia

que tanto reconhecias, perguntas o caminho que

ousei desde menino, que se gravou em minhas mãos

e as fez tremer tristes e diferentes.

Quem acompanha a dor que escolhemos, o espaço

que ocupamos, a maneira de dizer coração,

a imagem quebrada de uma igreja,

o canteiro do jardim, lá atrás, muito lá detrás

vens perguntando quem acompanha o nosso rosto,

ele, ele que não amou ninguém, que não amou ninguém.

 

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A Estátua



O teu corpo branco e esguio
Prendeu todo o meu sentido…
Sonho que pela noite, altas horas,
Aqueces o mármore frio
Do alvo peito entumecido…

E quantas vezes pela escuridão
A arder na febre de um delírio,
Os olhos roxos como um lírio
Venho espreitar os gestos que eu sonhei…

- Sinto os rumores duma convulsão,
A confessar tudo que eu cismei

Ó Vénus sensual!
Pecado mortal
Do meu pensamento!
Tens nos seios de bicos acerados,
Num tormento,
A singular razão dos meus cuidados

Judith Teixeira

 

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Flores de Cactus


Flores de cactus resplandecentes,
Espelhantes, encarnadas!
Rubras gargalhadas
De cortesãs…
Embriagam-se de sol,
Pelas doiradas manhãs,
Viçosas e ardentes!

Bela flor imprudente!
Brilha melhor o sol rutilante
Nas suas pétalas vermelhas…
É sugestivo
O ar insolente
E petulante,
Como se deixam morder
Pelas doiradas abelhas!

Nascem para ser beijadas
E possuídas
Pelo sol abrasador…
Lascivas,
Predestinadas
Para os mistérios do amor!

Eu gosto desta flor pagã
E sensual,
Que num místico ritual
Se entrega toda aberta
Aos beijos fulvos do sol!

Oh! Flor do cactus enrubescida!
No teu vermelho, há sangue, há vida…
- E eu tenho uma enorme sede de viver!


Judith Teixeira

 

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Liberta


Noutros cenários a minha alma vive!
Outros caminhos..
Por outras luzes iluminada!
- Eu vim daquele mundo onde estive
tanto tempo emparedada…

Andavam de negro
As minhas horas…
A esquecer-me da vida-
Não me encontrava!
Meus sonhos amortalhados
Em crepúsculo,
A noite não os levava!

.............................

Um entardecer triste e doloroso
Enrubesceu o céu!
E o meu olhar ansioso
Fundiu-se no teu !

.............................

E as tuas lindas mãos,
Esguias e nevróticas,
Pintam-me telas rubras
Bizarras e exóticas
De largos horizontes…

.............................

Hoje, ergue-me a ânsia enorme
De outras horas viver!
- Sensualizando a vida,
Descobrindo novas fontes
De dor e de prazer…

- Orgias de estranha cor
de que tu fosses somente
o extraordinário inventor!



Judith Teixeira

 

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A Minha Amante


Dizem que eu tenho amores contigo!
Deixa-os dizer!…
Eles sabem lá o que há de sublime
Nos meus sonhos de prazer…
De madrugada, logo ao despertar,
Há quem me tenha ouvido gritar
Pelo teu nome…

Dizem - e eu não protesto -
Que seja qual for
o meu aspecto
tu estás
na minha fisionomia
e no meu gesto!

Dizem que eu me embriago toda em cores
Para te esquecer…
E que de noite pelos corredores
Quando vou passando para te ir buscar,
Levo risos de louca, no olhar!

Não entendem dos meus amores contigo -
Não entendem deste luar de beijos…
- Há quem lhe chame a tara perversa,
Dum ser destrambelhado e sensual!
Chamam-te o génio do mal -
O meu castigo…
E eu em sombras alheio-me dispersa…

E ninguém sabe que é de ti que eu vivo…
Que és tu que doiras ainda,
O meu castelo em ruína…
Que fazes da hora má, a hora linda
Dos meus sonhos voluptuosos -
Não faltes aos meus apelos dolorosos
- Adormenta esta dor que me domina!



Judith Teixeira

 

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Ninguém


Embriaguei-me num doido desejo
E adoeci de saudade.
Caí no vago ... no indeciso
Não me encontro, não me vejo -
Perscruto a imensidade

E fico a tactear na escuridão
Ninguém. Ninguém
Nem eu, tão pouco!

Encontro apenas
o tumultuar dum coração
aprisionado dentro do meu peito
aos saltos como um louco.



Judith Teixeira

 

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Adeus


Sim, vou partir.
E não levo saudade
De ninguém
Nem em ti penso agora!
Julgavas que a tristeza desta hora
Fosse maior que a firme vontade
Que eu pus em destruir
O luminoso fio de ternura
Que me prendia ao teu olhar?
Julgaste mal:
Eu sei amar,
Mas meu amor
O que eu não sei
É ser banal!

Mas por que vim eu escrever-te ainda?
Nem eu sei!
Talvez somente
O hábito cortês da despedida
- e o hábito faz lei!

Choro?! Oh, sim , perdidamente!
Mas sabes tu, por que este pranto
Assim amargo e soluçado vem?
É que na hora da partida
Eu nunca pude sem chorar
Dizer adeus a ninguém!



Judith Teixeira

 

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Sinfonia hibernal


Adoro o inverno.
Envolvo-me assim mais no teu carinho,
friorenta e louca...
Nascem-me na alma os beijos
que se vão aninhar na tua boca!...
Gosto da neve
a diluir-se ao sol
em risos de cristal!
Vem-me turbar a ânsia do teu rogo...
E a neve fulgente
dos meus dentes trémulos,
vai fundir-se na taça ardente,
rubra e original,
na qual eu bebo os teus beijos em fogo!
Tu adormentas a minha dor
na doce sombra dos teus cabelos,
e eu envolvo-me toda nos teus braços
para dormir e sonhar!...
- lá fora que nao deixe de chover,
e o vento que não deixe de clamar!
Deixá-lo gritar!
Que importa o seu clamor,
se me abrasa o teu olhar
vivissimo?!...
Atei, meu amor, o fogo em que me exalto...
- Enrola-me mais...
ainda mais... no teu afago;
que esta alegria do nosso amor
suavissimo,
será mais forte e gritará mais alto!


Judith Teixeira

 

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Perfis decadentes


Através dos vitrais
ia a luz a esperguiçar-se
em listas faiscantes,
sob as sedas orientais
de cores luxuriantes!

Sons ritmados dolentes,
num sensualismo intenso,
vibram misticismos decadentes
por entre nuvens de incenso.

Longos, esguios, estáticos,
entre as ondas vermelhas do cetim,
dois corpos esculpidos em marfim
soergueram-se nostálgicos,
sonâmbolos e enigmáticos...

Os seus perfis esfingicos,
e cálidos
estremeceram
na ansia duma beleza pressentida,
dolorosamente pálidos!

Fitaram-se as bocas sensuais!
Os corpos subtilizados,
femininos,
entre mil cintilações
irreais,
enlaçaram-se
nos braços longos e finos!

E morderam-se as bocas abrasadas,
em contorções de furia, ensanguentadas!

Foi um beijo doloroso,
a estrebuchar agonias,
nevrótico ansioso,
em estranhas epilepsias!

Sedas esgarçadas,
dispersão de sons,
arco-iris de rendas
irisando tons...

E ficou no ar
a vibrar
a estertorar,
encandescido,
um grito dolorido.


Judith Teixeira

 

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A minha colcha encarnada


Perfumes estonteantes,
atiram-me embriagada
sobre os cetins roçagantes
da minha colcha encarnada!

Em espasmos delirantes,
numa posse insaciada -
rasgo as sedas provocantes
em que me sinto enrolada!

Tomo o cetim às mãos cheias.
Sinto latejar as veias
na minha carne abrasada!

Torcem-me o corpo desejos
mordendo o cetim com beijos
numa ansia desgrenhada.


Judith Teixeira

 

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A bailarina vermelha


Ela passa,
a papoila rubra,
esvoaçando graça,
a sorrir...
Original tentação
de estranho sabor:
a sua boca - romã luzente,
a refulgir!...

As mãos pálidas, esguias,
dolorosas soluçando,
vão recortando
em ritmos de beleza
gestos de ave endoidecida...
Preces, blasfémias,
cálidas estesias
passam delirando!...

Mordendo-lhe o seio
túrgido e perfurante,
delira a flama sangrenta
dos rubis...
E a cinta verga, flexuosa,
na luxuria dominante
dos quadris...

Um jeito mais quebrado no andar...

Um pouco mais de sombra no olhar
bistrado de lilás...

E ela passa
entornando dor,
a agonizar beleza!...
Um sonho de volúpia
que logo se desfaz,
em ruivas gargalhadas
dispersas... desgrenhadas!...

Magoam-se os meus sentidos
num cálido rubor...

E nos seus braços endoidecem
as anilhs d'oiro refulgindo
num feérico clamor!...

E ela passa...

Fulva, esguia, incoerente...
Flor de vicio
esvoaçando graça
na noite tempestuosa
do meu olhar!...
Como uma brasa ardente,
einfernal e dolorosa,
... a bailar...

a bailar!...



Judith Teixeira

 

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O palhaço


Anda-se a rir, a rir dentro de mim,
com as lividas faces desbotadas
um estranho palhaço de cetim,
rasgando em dor meu peito às gargalhadas!

Sobe aos meus olhos sempre a rir assim... -
espreitando as figuras malsinadas
que não vestem nunca de arlequim,
mas que andam pela vida disfarçadas.

Na sombra dos meus cilios, emboscado,
ri, no meu olhar frio e desolado,
escondendo-se atónito e surpreso...

E quando desce à triste moradia,
vem mais louco e soberbo de ironia
na irrisão dum sarcástico desprezo!



Judith Teixeira

 

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“Um Sorriso que Passa…”


Saber de ti…
Mas para quê?
O que eu penso é o que vale!
E se não fores como eu te julgo
ou como eu te vi,
que a tua boca não fale!
– O que tu és não me interessa, crê.

Bendigo o teu sorriso,
que veio encher o meu olhar de luz!
Mas para quê saber quem és
ou que destino te conduz?!…

Não sei a cor dos teus cabelos…
conheço a tua boca apenas quando ri…

Não voltes mais!

Que a visão do teu sorriso
– sorriso de curvas ideais,
virá dulcificar
a agonia dos poentes
destes meus dias sem remédio,
longos, incoerentes,
e desiguais!

Inverno
1925


Judith Teixeira

 

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“Crepúsculo”

 

Lá vem a noite, as serras contornando;
É esta a hora negra dos vencidos!…
Ao longe, o arvoredo baloiçando
toma aspectos bizarros, contorcidos…

Em ladainhas fúnebres, rezando,
descem dos montes já escurecidos,
as aves agoirentas, voejando
sobre os casais, na sombra adormecidos…

Hora em que se erguem maldições atrozes…
e em que os sinos, ao longe, são as vozes
indefinidas de miséria e dor!…

Hora dos neurasténicos, dos tristes…
Hora em que eu sinto bem que ainda existes,
nesta saudade duma dor maior!

Outubro
1922


Judith Teixeira

 

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“O Anão da Máscara Verde”


As árvores seculares
do meu jardim,
em murmúrios de segredo –
falam de mim,
riscando no horizonte
longas figuras de medo…

O silêncio fala
balançando os esguios esqueletos
das árvores desgrenhadas!
Apagaram-se as velas perfumadas
do lampadário da minha sala…
As aves em voos inquietos
passam caladas!
……………………………………
Infinitamente só,
as horas vão adormecendo…
……………………………………
Estranha visão!
Do espelho para mim,
vem deslizando
lívido de luar
um fulvo Anão, de máscara verde
vestido de arlequim…
As mãos a suplicar,
num gesto que se perde…

Nos olhos cintilantes, infernais,
eu leio confissões rudes, brutais!
– Estende os braços revestidos de oiro…
E as suas mãos esguias
vêm desprender o meu cabelo loiro!…

Álgida madrugada de luar…
Infernal tentação!
Eu não posso desfitar…
a boca rubra e incendiada
do meu Anão!

Quero fugir a este inferno!
– Os olhos dele…
Um abismo sem fim!
Um labirinto!…
– E o meu cabelo a arder
nas mãos do arlequim! –
Não! Não!
Foi um desejo apenas
e que eu desminto!
E rasgo-lhe com fúria
as vestes de cetim.
……………………………………
Olho ainda o espelho
pálida e cansada…
E já longe,
iluminado de luar
álgido e frio,
o meu Anão de olhar sombrio,
lá está
a contar
o meu segredo
num murmúrio sem fim,
ás árvores do Medo
do meu jardim!


Inverno – Meia-Noite
1922


Judith Teixeira

 

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“A mulher do vestido encarnado”



Ameigam teu corpo airoso
requebros sensuais,
e o teu perfil
felino e vicioso
diz-nos pecados brutais…
– Paixões preversas
onde o crime é gozo!

Carne que a horas se contrata,
e onde a tísica já fez guarida;
– vendida por suja prata
em tanta noite perdida…

Ó farrapo de luxúria
que acendes quentes desejos
até à fúria,
na febre de longos beijos!…

Perderam-se tantas, tantas
mocidades
nos teus olhares diabólicos,
que nem tu já sabes quantas!

E ninguém te perguntou
ainda, mulher perdida
que desgraçado amor foi esse
que te arrastou
a essa vida, negra vida!

E às vezes,
cuspindo sangue
em noites de guitarrada,
a tua boca tão mordida,
cantando, à desgarrada,
fala do amor crueldade
– um amor todo ruína,
uma amor todo saudade!

Ó farrapo de luxúria
que acendes quentes desejos
até à fúria,
na febre de longos beijos!

Outubro
1922


Judith Teixeira

 

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“Duma Carta”



Escrevi-te ontem
somente para dizer
das minhas mágoas e do meu amor…
O Sol morria…
Tudo era sombra em redor
e eu…, ainda escrevia…

A pena sempre a correr
sobre o papel,
deixava cintilações,
nas pedras do meu anel!

E a pena corria…
Nem precisava ver, o que escrevia!

Anoitecera.
…………………………………………
Como eu em toalha de altar
A mesa
revestiu-se de luar!…

Nascera a lua.
E a pena, nos bicos leves,
dizia ainda:
– Sou tua!
Por que é que me não escreves?
Mas o papel acabou
e a pena continuou:
Por que é que me não escreves?
O meu amor é todo teu.
Só eu te sei amar!
– Só eu!…

Janeiro
1922


Judith Teixeira

 

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“O Meu Destino”



Vivo de inquietações…
De sombrios desejos…
As minhas ambições,
andam traduzidas
nos rúbidos lampejos,
dos meus olhos em fogo!

Não cedem à agonia do meu rogo…
Andam fugindo ao meu destino.
Nem sentem os meus nervos estalar!
E os meus braços desgarrados
procuram em desatino –
sem nada encontrar!

Rasgo nas mãos doloridas,
escorrendo de luar,
as sombras espavoridas
que me ensombram o olhar!

Anda a loucura a desgrenhar-me –
o corpo e o pensamento…
As minhas horas, vão escurecendo
no destrambelho dos meus cuidados…
E eu vou andando
vagarosamente
os olhos roxos de sombra,
amargurados
demandando
tristemente,
o caminho,
do negro labirinto,
onde se perdem
os alucinados!

Julho – Sol-Posto
1922


Judith Teixeira

 

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“Por Quê?”

Que tens dentro de ti
estranho obreiro?
Que silêncio angustioso
traduzem
os teus Crepúsculos doentes
– Bizarro caminheiro
do infortúnio!
Onde foste ouvir a dor
dos teus Poentes?

Que rumor imenso,
que tragédia contas
em cada cor?
Que grãos de incenso,
queimas tu, em cada Alvor?

Ó romeiro da desgraça!
Predestinado sonhador
de noites sem estrelas!
Trágico e errante…
Porque pintas tu sempre, um Céu distante,
nas mortificadas cores
das tuas telas?

Julho – Céu nublado
1922


Judith Teixeira

 

 

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“Insónias”


A noite vai adiantada
na penumbra do meu boudoir…
Sobre o meu coxim
de seda encarnada,
pobre de mim!
não posso descansar!

Revolvem-se em convulsões
sombras escuras!
São almas, são corações,
são desventuras!

Oiço chorar…
Escalda-me a cabeça!
Lá fora o vento não cessa
de ulular…
Que intraduzível anseio!
Busco, procuro, tacteio…
Nada! Nada!

A seda desmaiada!
O meu vestido…
E o vento a uivar!
Outro gemido…
E eu a procurar,
a procurar…

Olho em redor…
– É junto a mim,
é sobre o meu coxim
que geme a dor!

Despedaçam-se ilusões
dolorosamente!
Rasgo o cetim que me veste,
em convulsões,
perdidamente!

E o vento sempre a uivar…
Outro grito espavorido!
Sinto latejar a Dor…
É dentro do meu vestido!
Foi aqui que a Dor gemeu…
É no meu ser, dentro de mim.
– Sou eu! Sou eu!

Inverno – O vento bate com fúria nas janelas
1921


Judith Teixeira

 

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O poemeto das sombras



Ruge lá fora a ventania

e as árvores vergando, desfolhadas,

vão gemendo, como almas na agonia,

contorcidas, desvairadas.



À meia-noite,

a voz do sino, pesada e densa,

passa estridulando,

como se uma boca cavernosa, imensa,

nos predissesse negramente, malsinando!...



Há lares em festa –

e fome pelos caminhos

da desgraça.

E a minha amargura

vai subindo

na voragem funesta

de clamor que passa!



Meu Deus!

Por que é que os inocentes, pobrezinhos,

não têm pão?

Por que é que nesta noite em que nasceu Jesus

o Céu, não se sorri, cheio de luz?



Quebram-se soluços na rajada...

Exalo-me em tédio! vibra o meu tormento -

eu trago revestida a alma de saudades

nem eu já sei há quanto tempo!...



Sobre a seda vermelha que me envolve.

a luz vai entornando

vagas tonalidades - violetas...

e lá fora batalham peito a peito,

revolvendo as trevas ululando,

longos fantasmas

de negras silhuetas!


Judith Teixeira

 

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Rosas pálidas



Ó anémicas! ó pálidas!

Ausentou-se o sangue

Das vossas veias delicadas...

Ó sombras vagas

Duma vida exangue!

Ó virgens aladas!...



Nunca pode encantar-me essa candura

da vossa serena

brancura.

E jamais eu tive

um amplexo de amor

em que no meu peito

se esmagasse

a vossa carne de chorosa Madalena

sem gritos e sem cor...



Ó flébeis, doentias!

- o meu olhar procura a ardência

forte e colorida

das vossas irmãs

rubras e sadias!...

A vida é beijada pelo sol

e ungida pela dor!



Deixai que o sol fecunde o vosso seio...

E que o vento vos beije

em convulsões brutais,

em convulsões pagãs!

A luxúria, ó pálidas irmãs,

é a maior força da vida!

Sensualisai pois! A vossa carne

Arrefecida...

Ó brancas, imaculadas!

Ó virgens inúteis

e decepadas...


Judith Teixeira, 1925


In Judith Teixeira, Poemas, (Lisboa: &etc), 1966, pp. 163-64;

 

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