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Análise da poesia de Francisco Arcos e de Vilma Oliveira

 

 

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ANÁLISE DA POESIA DE VILMA OLIVEIRA

ANÁLISE DA POESIA DE FRANCISCO ARCOS


A poesia de Francisco Arcos, um pouco à semelhança do que acontece com outros poetas existencialistas ou tidos como existencialistas por beberem na temática filosófica e psicológica do existencialismo, não é uma poesia fácil de ser lida e compreendida.

É um risco que o poeta corre, pois, como diz Torquato Neto em "Pessoal intransferível", com aquele à vontade verbal que o caracteriza: " Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso.

Poetar é simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena etc. Difícil é não correr com os versos debaixo do braço. Difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa. Difícil, para quem não é poeta, é não trair a sua poesia, que, pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes mestre-de-cerimónias, "herdeiro"da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuaram levando, graças a Deus.

E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. (...) ". 14/09/71 3ª Feira.".

Trata-se da imperiosidade de berrar (fazer diferente ou de dada forma não comum), de sobressair do corrente ( mesmo que se utilize uma forma de poetar corrente – neste caso de Francisco Arcos o soneto ) pois por muito que o existencialismo pregue a liberdade o existencialista está de facto não só condenado a ser livre mas está também condenado imperativamente a manifestar essa mesma liberdade, ou seja, o seu eu.

E não se trata de uma afirmação simples ou de um tímido solfejar, é preciso que a poesia / liberdade se ouça ou faça todos os esforços para ser ouvida para que surta efeito a afirmação da liberdade filosófica e poética, como o afirma o próprio Francisco Arcos logo no seu Poema introdutório: "

(…) " Mas não bastam as asas ao cavalo:

São necessárias as patas,

Imprescindíveis as patas do cavalo

- funcionais, autênticas, terríveis – (…)

Condição essencial a demonstração fenoménica do homem, trazida da dualidade fenómeno / númeno Kantiana, o homem enquanto liberdade demonstrável, fenoménica, o mesmo se transmite para a poesia, como forma dessa demonstração, sem qualquer ajuda ou sem esperar nada dos outros ou de outro.

"(…) O existencialista (…) Pensa pois, que o homem, sem nenhum apoio ou socorro, está condenado em cada instante a inventar o homem. (…) - O Existencialismo é um humanismo (link resenha)– J.P. Sartre (link autor)". E trata-se não só da afirmação do homem como da invenção do homem em Francisco Arcos e no existencialismo. Invenção que é descoberta, fatalidade (?), necessidade íntima e condição para se ser ser:

" A criança de colo cala-se e não chora

Apenas quando, pelo chão, se perde nele:

Eu choro se não for perder-me por aí fora!"

Francisco Arcos.

Mas não só pelo existencialismo heidegger / sarteriano vamos encontrar os caminhos de F. Arcos. A vida (existência) afirmação tem a volúpia da escalada, a volúpia do subir mais do que a volúpia do céu (a menos que se queira entender a metáfora nesse campo). É também um existencialismo Camusiano: a presença de um irónico Sísifo por si só seria quase suficiente mas na poesia de F. Arcos o homem está em estado de constante queda, queda de valores, falta de destrinça entre aquilo que é o bem e o mal e, em certo sentido acaba por incorporar o mal como um bem tal como a personagem de Camus em A Queda.

" (…)-----------------------------

Cai chuva no jardim, molha-se a estátua.

Ao longe uma tristeza coça-se e arrulha

 

No último ramo de um enorme e velho cedro.

Alguém está a mais, eu sei. Mato-me ou mato-a?

Mas como decidir se a estátua vive e eu medro?

Francisco Arcos"

De reparar que o único óbice ao acto de matar ou suicidar (tema que foi caro a Camus) se coloca no plano da impossibilidade de discernimento ou visão de futuro ou mesmo da ideia a priori assumida, o que nos coloca na ética da Situação referida aqui e agora por José Lourenço Araújo Leite:

"O problema da Ética de Situação em contrapartida à Ética de Princípios coloca o homem em estado de constante julgamento porque ele está desprovido de juízos a priori éticos que o auxiliem na tomada de decisão. A Ética de Ocasião, também assim chamada, obriga o homem a, em situações particulares, tomar uma decisão. Mesmo porque, a última norma de moralidade é a própria consciência do indivíduo, como asseverou Tomás de Aquino. No entanto, essa decisão é tomada a partir somente de uma parte do problema que se lhe impõe, mas não o responsabiliza na decisão do todo da situação. Ele escolhe apenas uma parte para se sair daquela situação. Sua decisão é isenta de toda e qualquer responsabilidade com a problemática da existência, do mundo e de todos os outrem. Seu julgamento encerra-se na realidade imediata que lhe garantirá sua sobrevivência."

Mas e regressando ao acima prometido Mito de Sísifo, que Francisco Arcos espalha um pouco pela sua poesia, vejamos a formulação mais exacta encontramos neste poema:

" Ascendo a um cume aonde há sarças que desgrenho,

e, quando chego mesmo ao cimo da montanha,

desço outra vez porque esqueci lá em baixo o lenho."

"De entre os acontecimentos que assolaram a nossa época, surgiu um que, de facto, não tem paralelo na história: o sentimento do absurdo, sentimento este, profundamente analisado em O Mito de Sísifo por Albert Camus, como sendo o verdadeiro mal da nossa época. (…)

(…) a (…) fractura entre o mundo e o seu espírito deve ser mantida, já que é ela a sua verdadeira condição humana. Abolir tal fractura mais não seria do que adormecê-la voluntariamente na ilusão de uma significação para além da condição limitada do homem.

Num universo onde reinam a contradição, a antinomia, a angústia, o impoder entre o sim e o não, o homem não deve tentar concluir, uma vez que isso afirmar-se-ia como uma traição à vida. A consciência da gratuitidade é feita da própria recusa de esperar e de uma vida sem consolação."

in "A questão do Sentido em Albert Camus, por Isabel Mª Magalhães R.L. Santos Maia".

Situação esta que é referida por J. P. Sartre no seu "O Humanismo é um existencialismo" e é condição basilar de toda a filosofia existencialista. "A existência precede a essência"- diz Sartre (o vulgarmente filosófico princípio primeiro, invertido de Descartes: existo logo penso, embora o conceito de essência tenha muito a ver, neste caso, com a acepção dada por Baruch Spinoza e aceite por Hegel e seguida pela restante filosofia da época), mas, fundamentalmente, a existência não só precede a essência como a procede, ou seja, e por outras palavras, acaba por anulá-la tornando a dicotomia um mero efeito retórico / filosófico em que a essência enquanto tal apenas nos aparece para ser negada e ou superada pela existência.

Como vimos acima o homem não só não deve, como não pode concluir, ou seja, não pode fazer a junção do seu eu fenoménico ao "eu numénico" Kantiano, e, nesta filosofia que bebeu mais do que aquilo que se lhe atribui correntemente da filosofia de Kant, esse trabalho é uma função em devir e do devir. Ao existencialista resta-lhe a carga de saber que não pode saber e arcar com as responsabilidades e as críticas dirigidas a essa sua convicção.

"PórticoJoão José Cochofel

Outros serão

os poetas da força e da ousadia.

Para mim

- ficará a delicadeza dos instantes que fogem

a inutilidade das lágrimas que rolam

a alegria sem motivo duma manhã de sol

o encantamento das tardes mornas

a calma dos beijos longos.

(Um ócio grande. Morre tudo

dum morrer suave e brando...

 

Que os outros fiquem com o seu fel

as suas imprecações

o seu sarcasmo.

Para mim

será esta melancolia mansa

que me é dada pela certeza de saber

que a culpa é sempre minha

se as lágrimas correm ..."

ou, prosseguindo o texto da ensaísta (Isabel Mª Magalhães R.L. Santos Maia):

"O sentimento de se ser estrangeiro à sua própria vida torna equivalentes todas as experiências. Tal sentimento de divórcio entre o homem e a vida é o sentimento do absurdo. Viver este absurdo é permanecer clarividente para que seja possível aos homens "purgarem-se" de todo um conjunto de emoções, em ordem a uma autenticidade, ou seja, à lucidez e à disponibilidade."

in "A questão do Sentido em Albert Camus, por Isabel Mª Magalhães R.L. Santos Maia".

Estamos pois, perante o homem expectante, mas não se trata de uma expectativa a curto prazo que se possa demonstrar mais tarde ilusória. Por isso a ilusão da lucidez a médio ou mesmo a longo prazo deve ser afastada:

" Por essa corda imensa é que o luar se evade

e as mãos dos mortos se laceram e ensanguentam

na ânsia de atingir as mãos da claridade.

 

O instante que logrei – ciente de ser eu –

Gera sonhos febris que já não se aguentam

No ar e caem como aérolitos do céu."

Francisco Arcos

Ora, o problema da lucidez / ameaçadora / ilusória é uma constante quer na poesia de Francisco Arcos quer na poesia de outros vultos igualmente importantes da poesia existencialista. Vejamos, por ora, Clarice Lispector .

"A Lucidez Perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande

que me anula como pessoa actual e comum:

é uma lucidez vazia, como explicar?

assim como um cálculo matemático perfeito

do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer

vendo claramente o vazio.

E nem entendo aquilo que entendo:

pois estou infinitamente maior que eu mesma,

e não me alcanço.

Além do que:

que faço dessa lucidez?

Sei também que esta minha lucidez

pode-se tornar o inferno humano

- já me aconteceu antes.

Pois sei que

- em termos de nossa diária

e permanente acomodação

resignada à irrealidade -

essa clareza de realidade

é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,

porque ela não me serve

para viver os dias.

Ajudai-me a de novo consistir

dos modos possíveis.

Eu consisto,

eu consisto,

amém."

Há, ainda, em Francisco Arcos uma persistência na subida, no escalar, numa tentativa de se encontrar não se encontrando (não completando o ciclo) com algo de celeste ou mesmo com Deus. O existencialismo não é, fundamentalmente, ateu, na medida em que isso implicaria uma renovação constante da negação de Deus. É sim, ou está sim, para além de Deus. Por outras palavras, ao não admitir a sua existência acaba por ignorá-lo. A formulação de Sartre neste campo procede a de outros existencialistas como Jaspers, ou mesmo a fenomenologia de Husserl captada por Heiddeger.

Mas, Deus, no sentido do ente todo-poderoso não pode, segundo o existencialismo, existir, sob risco de retirar liberdade ao homem. Ele, sim. Homem, não sendo todo poderoso é contudo poderoso perante si " é responsável por tudo o que faz"(Sartre). E mesmo sobre aquilo que, em linguagem mais comum, não deveria ser-lhe atribuído, ou seja, o domínio das chamadas paixões da alma:

"O existencialista não crê no poder da paixão. Não pensará nunca que uma bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos actos e que, por consequência, é uma desculpa; pensa que o homem é responsável pela sua paixão." Citamos ainda o "catecismo" existencialista de J. P. Sartre, "O existencialismo é um humanismo".

E é, para os existencialistas, um humanismo porque centra no homem todo o peso do Universo, visto em linguagem figurada, ou seja, faz dele um Atlas mítico. Ora, por ter lutado junto com o exército dos titãs contra a rebelião dos deuses, liderada por Zeus, Atlas foi condenado a sustentar os pilares do firmamento sobre seus ombros para toda a eternidade. E diz-nos Francisco Arcos.

"O meu castelo no alto! Uma só sala, nua,

colunas magras a susterem nada…- Gize

o meu castelo quem arquitectou a lua!"

Francisco Arcos

O elogio da individualidade ou do ser como indivíduo aparece então sob diversas formas, daí que uma parte grande da poesia de F. Arcos se ordene na primeira pessoa, ou seja, que a visão do mundo e do ser parta da perspectiva do homem / autor.

A "Cristã" tentação, o Diabo, são aqui metafóricos (têm de ser), mas tal não anula a presença constante da formação religiosa, ou, para sermos mais exactos, a formulação ateia de um princípio comum :

" Escravo do orgulho atroz dos cumes, miro

o alto ( eu já lá estive ): agora, estou de rojo

no silêncio da escarpa. Ângulo de um só giro,

o meu ficar no mesmo sítio é quase roxo…"

Francisco Arcos

Há, também, diga-se em abono da verdade, em Francisco Arcos, uma emergente dialéctica nacional portuguesa e pudemos sempre considerar que o ser e o ter sido (e noutros casos o ser em si e o outro) são vestígios da historicidade portuguesa, com uma forte componente imperial, que lhe advirá da absorção quer de Camões quer de Pessoa. Ninguém fica incólume às influências escolares, ou não é impunemente que se nasce em Portugal, parafraseando...

Facto, este, do saudosismo e do regresso das naus que se encontra de uma forma mais nítida em Sophia de Mello Breyner Andresen:

"I

Enquanto longe divagas

E através de um mar desconhecido esqueces a palavra

- Enquanto vais à deriva das correntes

E fugitivo perseguido por inomeadas formas

A ti próprio te buscas devagar

- Enquanto percorres os labirintos da viagem

E no país de treva e gelo interrogas o mudo rosto das sombras

- Enquanto tacteias e duvidas e te espantas

E apenas como um fio te guia a tua saudade da vida

Enquanto navegas em oceanos azuis de rochas negras

E as vozes da casa te invocam e te seguem

Enquanto regressas como a ti mesmo ao mar

E sujo de algas emerges entorpecido e como drogado

- Enquanto naufragas e te afundas e te esvais

E na praia que é teu leito como criança dormes

E devagar devagar a teu corpo regressas

Como jovem toiro espantado de se reconhecer

E como jovem toiro sacodes o teu cabelo sobre os olhos

E devagar recuperas tua mão teu gesto

E teu amor das coisas sílaba por sílaba."

 

Poderíamos ir bem mais extenso nesta nossa análise da poesia de Francisco Arcos, um poeta existencialista, muito pouco conhecido, ou, pelo menos, menos conhecido do que aquilo que seria seu mérito. Embora em termos de um existencialismo feroz a culpa seja sempre sua ( dele ) rematemos com extractos de uma entrevista de Ruy Guerra sobre o seu Filme "Estorvo":

Ruy Guerra - Já da parte da crítica nós esperávamos um pouco mais de aprofundamento da questão central ou talvez uma certa perplexidade.

Entrevistador - Você insinua que a crítica não compreendeu o filme, ou que não se interessou pela temática que repropõe mover o espectador de uma postura acomodada, ingénua e imediatista, para colocá-lo ao nível da interrogação?

RG - Num sentido fenomenológico, a arte é precisamente um meio que dispomos para desvelar aquilo que quotidianamente nos tornam ocultos em nós próprios. O destino do homem e da história depende de lucidez quanto ao agora e já, e nada melhor do que a serena meditação filosófica para instaurar uma nova dimensão crítica no tempo em que vivemos. É tarefa primordial de quem faz arte, ampliar os limites das questões essenciais humanas para além da pura imediatidade. De aí a minha perplexidade. Jamais esperei que a crítica fosse tão preguiçosa, já que não fez nenhuma tentativa para compreender a linguagem do filme, muito menos a estética que propomos. Isso está muito nítido, pelo menos nas matérias que acabamos de ler, sem profundidade reflexiva. Para mim foi uma dupla surpresa, agradável em relação ao público e perplexa ante uma crítica tão preguiçosa em relação ao filme.

 

Daniel Teixeira

 

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ANÁLISE DA POESIA DE VILMA OLIVEIRA

A poesia de Vilma Oliveira não é, antes de mais, uma qualquer poesia do tipo Florbeliano repetido, embora seja fácil encontrar alguns pontos que assemelham uma e outra (guardadas as devidas distâncias que a própria modéstia da Vilma não pretende alcançar nem merecer). Existem influências, será um facto, mas nada nos garante que a poesia de Vilma não seria assim mesmo tivesse ela lido ou não Florbela.

O versejar de Vilma Oliveira contém em si um maior conteúdo não epidérmico que a poesia de Florbela, ou seja, é muito menos sensitiva e consequentemente muito mais reflexiva e rica de conteúdo. Se tivéssemos de fazer uma comparação, que não é forçosamente ofensiva nem para uma nem para outra, a fraseologia Florbeliana é minimalista, a imagética é seguramente rica, quase barroca, mas existe uma repetição quase sistemática de determinadas figuras mais ou menos ricamente adornadas por um domínio do jogo nas palavras.

Vilma Oliveira recorre a alguns clichés (Minh’Alma, d´Agua, etc.) tradicionais na sonetística de escola e que Florbela também usou e que nos podem iludir mas a diferença entre uma e outra é abissal. Citando Maria Ester Torres na sua Nota Introdutória sobre Florbela Espanca no Livro de Sonetos completos de Florbela Espanca (Europa América - Lisboa)"(…) Florbela foi, essencialmente uma mulher que sentiu." (…) Sentiu a sua infância (…) num plano quase místico (…)"Sentiu(…)a impossibilidade de se satisfazer na expressão / demonstração do seu sentir. Tarefa à partida inglória porque ninguém descreve sentimentos e espera que eles sejam integralmente entendidos.

Sentiu, Florbela, ainda segundo esta autora (Maria Ester Torres) que "pensava" o que sentia ou que os seus sentidos eram pensados e sentiu ainda o fracasso da empresa da sua busca de um Eu que fosse sentimento puro.

"Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo para me ver

E que nunca na vida me encontrou!"

(Do soneto "EU" de Florbela).

Este culto do absurdo seria tolerável, ou aceitável num Fernando Pessoa ou em alguns dos seus heterónimos ou mesmo noutros poetas mas é difícil de digerir sem aquela dose de ironia magoada que nos faz levar Florbela muito para longe de qualquer sentido crítico sem o fazer acompanhar da ideia do Absoluto. A concretização não existe em Florbela…tudo se perde no reino do Absoluto, do Além, do Nada, breve, do inconcretizável qualquer que ele seja.

Ora, Vilma Oliveira está muito longe desta problemática depressiva (quase esquizofrénica) de Florbela, está longe da desidentificação consigo mesma e está longe da busca de um Absoluto em que se não crê e que se persegue porque se sabe precisamente que ele não existe. Ao contrário de Vilma a dialéctica Florbeliana não é uma dialéctica construtiva tendente à chegada a um fim, é sim um percurso conturbado que se satisfaz / insatisfazendo-se na exploração minuciosa dos meios, do qual vamos encontrar ainda traços na sua conhecida visão Don Juanística do amor (como refere Urbano Tavares Rodrigues, mesmo com as nossa reservas já apresentadas no ensaio que temos sobre Florbela Espanca).

Ora, quer o desejar quer as referências de Vilma (ainda que bebidas em campos comuns a ambas muitas vezes) têm a solidez descritiva de um sentir verdadeiramente dominado, que o não anula enquanto processo sensitivo, mas lhe estabelece balizas, muitas vezes delimitadas nalguns casos através do afastamento sadio do observador que se reconhece a si mesmo na imagem espelhada.

"Se acaso me ouvires distante a chamar-te,

São juras contidas em mim por amar-te…

Se já não me escutas, porque sofro assim?"

(Vilma Oliveira em Ânsia Reprimida)

As formas e as imagens recolhidas por Vilma resultam de um processo psíquico tendente à obtenção de um fim, que mesmo quando não conseguido acaba por valer na tentativa (e este será um dos aspectos que mais diferencia Vilma de Florbela). Vilma não foge ao amor:

"Ama-me meu amor, e porque não?"

"(…) O amor

(…)"É uma febre - terçã que de mansinho

Toma todo nosso corpo, a Alma….

Aos poucos se esvai e se acalma

A febre, o rubor devagarzinho….

(Vilma Oliveira em Ama-me muito)

 

Já Florbela foge ao amor, procurando o impossível e aquilo que não existe, jogando bastante no cósmico por receio do telúrico.

 

"Eu queria mais altas as estrelas

Mais largo o espaço, o sol mais criador,

Mais refulgente a lua, o mar maior,

Mais cavadas as ondas e mais belas.

 

Mais amplas, mais rasgadas as janelas

Das almas, mais rosais a abrir em flor,

Mais Montanhas, mais asas de condor,

Mais sangue sobre a cruz das caravelas!

 

E abrir os braços e viver a vida

-Quanto mais funda a lúgubre descida,

Mais alta é a ladeira que não cansa!

 

E, acabada a tarefa…, em paz, contente,

Um dia adormecer serenamente

Como dorme no berço uma criança!

(Florbela Espanca)

De reparar que neste poema, de uma forma clara, depois de conseguido o mundo de Florbela existe como que um retorno ao útero materno…como se a vida, com tudo ou quase tudo conseguido (com a tarefa acabada) tivesse passado sem traços que maculem a inocência infantil. E sabemos como a infância foi paradigmática em Florbela, uma infância mística, a infância de Soror Saudade ou o mundo do conto As Orações de Soror Maria da Pureza.

É difícil não estabelecer algum paralelismo entre este conto e as famosas cartas de Soror Mariana Alcoforado embora neste conto exista um afastamento propositado de qualquer relação entre ambos. O processo descendente na escala moral religiosa de Soror Mariana corresponde neste conto ao processo ascendente de Soror Maria da Pureza no caminho místico religioso, mas há um exacerbar do afastamento corporal e o amado não parece aparecer como entidade no conto senão para exaltar as qualidades de beleza e aura mística de Soror Maria da Pureza e servir de pretexto para a sua entrada no Convento e consequente exaltação da mesma.

Não tendo nunca sido muito apontado este conto (aliás muito mais bem escrito que muitos outros que Florbela fez em prosa) é no entanto para mim paradigmático quanto à ambição de Florbela para um isolamento, para uma auto-flagelação mística mas com bastante de masoquismo, que aliás parece ter sido um mal da época: os poetas deste período (e não só) entretiveram as suas mentes balançando nos limiares da necessidade de afirmar a sua impotência, cujas conotações com a sexualidade reprimida por ofício são não só aparentes como evidentes.

Ora a Vilma está muito longe desta problemática (e ainda bem a meu ver). Sente-se perfeitamente que, embora escondida sob uma capa Florbeliana que explora tanto a sua temática como a sua forma (como vemos abaixo em Ânsia Reprimida) não existe qualquer namoro da morte, qualquer vontade de fazer desta um cume a atingir. Existe, isso sim um lamento, de alguma forma impotente mas cujas causas se devem ir buscar não à psique de Vilma mas a factores estranhos a ela mesma (a um destino, se quisermos) mas que não tem (este destino) uma carga nem fúnebre nem excessivamente pesada ao ponto de se não divisar uma saída.

ÂNSIA REPRIMIDA (Vilma Oliveira)

 

Li nos teus olhos por todos esses anos

Que juntos estivemos tão longe e perto

Tu eras meu oásis, às vezes, só deserto,

Universo de areias nos meus desenganos!

 

Li nos teus olhos em doces devaneios

A erguer-se exausto imenso castelo...

Tu foste da inspiração o verso mais belo!

Um mar de saudades de dores e anseios...

 

Tu leste nos meus olhos tristes rasos d'água,

O pranto que inunda os sonhos da minh'Alma,

São vertentes a se perpetuar dentro de mim;

 

Se acaso me ouvires distante a chamar-te,

São juras contidas em mim por amar-te...

Se já não me escutas, por que sofro assim?

 

Trata-se de uma mulher / poeta que canta a sua paixão mas que inteligentemente sabe não racionalizá-la mas sim enquadrá-la instintivamente dentro de parâmetros que não a fazem uma depressiva típica nem uma vencida da vida.

E é este facto, entre outros que aqui não cabem, que dá a meu ver um valor superior à poesia de Vilma Oliveira. Tem bastante a trabalhar ainda mas o caminho é certo…trata-se de uma quase sempre bem conseguida forma de superar a fórmula Florbeliana, numa afirmação de personalidade que luta e não de uma personalidade que se "rende". Dá gosto ler alguém que consegue (ainda com muito trabalho pela frente como dissemos e repetimos) ultrapassar Florbela Espanca partindo do seu ponto de não – retorno.

Daniel Teixeira

 

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