Meu
ignoto amigo. Se fores impenitente cultor da rotina e
mediocridade, guia-te pelas
normas seguintes :
Antes de pensar, informa-te sempre o que deve ser pensado
- para não introduzires no mundo o contrabando de idéias
novas.
Não penses nunca com o próprio cérebro - mas sempre
com a cabeça dos outros.
Dize sempre "sim" quando os outros dizem "sim" - e "não"quando
os outros dizem
"não".
Lê cada manhã, ao café, o teu jornal - para saberes
o que deve ser pensado naquelas 24 horas.
Quando vier alguém com idéias novas, evita-o como um
perigo social e tem-no em conta de herege e demolidor.
Não te exponhas ao perigo de fazer o que o vizinho não
faz - mas lembra-te da comprovada máxima burguesa: O
seguro morreu de velho.
Sê amigo dedicado da tua tépida poltrona - e não te
exponhas a vertigens de vastos
horizontes.
Prefere sempre as paredes maciças dum cárcere e as grades
seguras duma gaiola as incertezas dum vôo estratosférico.
Não abras nunca portas fechadas - abre tão somente portas
abertas.
Não explores caminhos novos,como os bandeirantes - anda
sempre sobre trilhos previamente alinhados.
Vai sempre com o grosso do rebanho, como os bons carneiros
- e não procures caminho à margem da rotina geral.
Em suma,meu insigne cultor da mediocridade: Deixa tudo
como está - para ver como fica.
Dest'arte, conservarás a saúde e tranqüilidade dos nervos
e poderás tomar, cada dia,com sossego, o teu choppe
ou cock-tail - e passar pôr homem de bem...
Se, porém, resolveres, um dia, sair da rotina tradicional
e expor-te ao perigo mortífero dum ideal superior, então
lê com atenção o que te diz um homem que conhece a vida:
Vai às margens do Ganges e pede ao mais robusto dos
elefantes que te ceda a sua pele paquidérmica, para
com ela revestires a tua alma.
Vai às praias do Nilo e arranca ao mais velho dos crocodilos
a sua impenetrável couraça e faze dela invólucro do
teu coração.
Senta-se aos pés do mestre Zenon, rei dos Estóicos,
e pede que te ensine
a filosofia de ser pedra inerte, bloco de gelo, cadáver
ambulante, indiferença absoluta.
E, depois de assim encouraçares a tua alma, sai pôr
este mundo afora e dize
aos homens de honesta mediocridade que vives pôr um
ideal que não está no estômago, nem nos nervos, nem
no sangue - e verás que te declararão guerra de morte!...
Pois, deves saber, meu amigo, que o mundo não sacrifica
um só ídolo pôr um ideal...
Desde que o mais arrojado idealista da história foi
crucificado, morto e sepultado - são todos os idealistas
crucificados pêlos cultores da mediocridade dominante.
Nada de grande acontece no mundo, sem que o mundo se
revolte...
Tudo que é belo e grande - acaba fatalmente nos braços
de uma cruz...
E'esta a gloriosa tragédia dos homens superiores.
Primeira
publicação (1950) - Don Antonio Maragono
Lacerda