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LISTA DE POETAS POR ORDEM ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME

Pablo Neruda

Não te quero senão porque te quero

 

Não te quero senão porque te quero,

e de querer-te a não te querer chego,

e de esperar-te quando não te espero,

passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero,

Odeio-te sem fim e odiando te rogo,

e a medida do meu amor viajante,

é não te ver e amar-te,

como um cego.

 

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,

seu raio cruel meu coração inteiro,

roubando-me a chave do sossego,

nesta história só eu me morro,

e morrerei de amor porque te quero,

porque te quero amor,

a sangue e fogo. Nega-me o pão, o ar,

a luz, a primavera,

mas nunca o teu riso,

porque então morreria.

 

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Pablo Neruda

Suave é a bela como se música e madeira

 

Suave é a bela como se música e madeira,

ágata, telas, trigo, pêssegos transparentes,

tivessem erigido a fugitiva estátua.

Para a onda dirige seu contrário frescor.

 

O mar molha polidos pés copiados

à forma recém - trabalhada na areia

e é agora seu fogo feminino de rosa

uma borbulha só que o sol e o mar combatem.

 

Ai, que nada te toque senão o sal do frio!

Que nem o amor destrua a primavera intacta.

Formosa, revérbero da indelével espuma,

 

deixa que teus quadris imponham na água

uma medida nova de cisne ou de nenúfar

e navegue tua estátua pelo cristal eterno.

 

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Pablo Neruda

Já és minha.

 

Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.

Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.

Gira a noite sobra suas invisíveis rodas

e junto a mim és pura como âmbar dormido.

Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.

Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.

Nenhuma mais viajará pela sombra comigo,

só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados

e deixaram cair suaves sinais sem rumo,

teus olhos se fecharam como duas asas cinzas.

Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:

a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,

e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

 

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Pablo Neruda

POEMA XVIII

 

Os dias não se descartam nem se somam, são abelhas

que arderam de doçura ou enfureceram

o aguilhão: o certame continua,

vão e vêm as viagens do mel à dor.

Não, não se desfia a rede dos anos: não há rede.

não caem gota a gota de um rio: não há rio.

O sonho não divide a vida em duas metades,

nem a acção, nem o silêncio, nem a virtude:

a vida foi como uma pedra, um só movimento,

uma única fogueira que reverberou na folhagem,

uma flecha, uma só, lenta ou activa, um metal

que subiu e desceu queimando em teus ossos.

 

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Pablo Neruda

Cem Sonetos de Amor - XLVI

 

Das estrelas que admirei,

molhadas

por rios e rocios diferentes,

eu não escolhi senão

a que eu amava

e desde então durmo

com a noite.

 

Da onda, uma onda e outra

onda,

verde mar, verde frio, ramo

verde,

eu não escolhi senão

uma só onda:

a onda indivisível

de teu corpo.

 

Todas as gotas, todas as

raízes,

todos os fios da luz vieram,

vieram-me ver tarde ou cedo.

 

Eu quis para mim tua cabeleira.

E de todos os dons de minha

pátria

só escolhi teu coração

selvagem.

 

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Pablo Neruda

Soneto XXV

 

Antes de amar-te, amor, nada era meu:

vacilei pelas ruas e as coisas:

nada contava nem tinha nome:

 

o mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,

túneis habitados pela lua,

hangares cruéis que se despediam,

 

perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,

caído, abandonado e decaído,

tudo era inalienavelmente alheio,

 

tudo era dos outros e de ninguém,

até que tua beleza e tua pobreza

de dádivas encheram o outono.

 

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Pablo Neruda

AQUI TE AMO

 

Aqui te amo.

Nos sombrios pinheiros desenreda-se o vento.

A lua fosforesce sobre as águas errantes.

Andam dias iguais a perseguir-se.

Desperta-se a névoa em dançantes figuras.

Uma gaivota de prata desprende-se do ocaso.

Às vezes uma vela.

Altas, altas estrelas.

Ou a cruz negra de um barco.

Sozinho. Às vezes amanheço, e até a alma está húmida.

Soa, ressoa o mar ao longe.

Este é um porto.

Aqui te amo.

Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte.

Eu continuo a amar-te entre estas frias coisas.

Às vezes vão meus beijos nesses navios graves que correm pelo mar aonde nunca chegam.

Já me vejo esquecido como estas velhas âncoras.

São mais tristes os cais quando fundeia a tarde.

A minha vida cansa-se inutilmente faminta.

Eu amo o que não tenho.

E tu estás tão distante.

O meu tédio forceja com os lentos crepúsculos.

Mas a noite aparece e começa a cantar-me.

A lua faz girar a sua rodagem de sonho.

Olham-me com teus as estrelas maiores.

E como eu te amo,

os pinheiros no vento querem cantar o teu nome com as folhas de arame.

 

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Pablo Neruda

Eu aqui me despeço

 

Eu me despeço.

Volto à minha casa, em meus sonhos.

Volto à Patagónia, aonde o vento golpeia os estábulos e salpica de frescor o Oceano.

Sou nada mais que um poeta: amo a todos, ando errante pelo mundo que amo.

Em minha pátria, prende-se mineiros e os soldados mandam mais que os juízes.

Entretanto, amo até mesmo as raízes de meu pequeno país frio.

Se tivesse que morrer mil vezes, ali quero morrer.

Se tivesse que nascer mil vezes, ali quero nascer.

Perto da araucária selvagem, do vendaval que vem do sul,

das campanas recém compradas.

Que ninguém pense em mim.

Pensemos em toda a terra, golpeando com amor a mesa.

Não quero que volte o sangue...

a molhar o pão, os feijões, a música:

quero que venha comigo o mineiro,

a criança, o advogado, o marinheiro, o fabricante de bonecas.

Que entremos no cinema e bebamos o vinho mais tinto.

Eu não vim para resolver nada.

Vim aqui para cantar e quero que cantes comigo.

 

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Pablo Neruda

Um cogito

 

Qual é o trabalho forçado

de Adolf Hitler no inferno?

 

Pinta paredes? Cadáveres?

Fareja o gás de suas vítimas?

 

Terá que ingerir as cinzas

dos meninos calcinados?

 

Ou desde sua morte há de

beber sangue num funil?

 

Ou lhe martelam na boca

os dentes de ouro arrancados?

 

Ou sobre arames farpados

lhe concederão dormir?

 

Vão ver sua pele tatuada

nos abajures de adorno?

 

Ou negros mastins de fogo

dele se incumbem no inferno?

 

Deve de noite e de dia

em trégua andar com seus presos?

 

Ou morrerá pouco a pouco

sob o mesmo gás eterno?

 

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Pablo Neruda

O insecto

 

Das tuas ancas aos teus pés

quero fazer uma longa viagem.

 

Sou mais pequeno que um insecto.

 

Percorro estas colinas,

são da cor da aveia,

têm trilhos estreitos

que só eu conheço,

centímetros queimados,

pálidas perspectivas.

 

Há aqui um monte.

Nunca dele sairei.

Oh que musgo gigante!

E uma cratera, uma rosa

de fogo humedecido!

 

Pelas tuas pernas desço

tecendo uma espiral

ou adormecendo na viagem

e alcanço os teus joelhos

duma dureza redonda

como os ásperos cumes

dum claro continente.

 

Para teus pés resvalo

para as oito aberturas

dos teus dedos agudos,

lentos, peninsulares,

e deles para o vazio

do lençol branco

caio, procurando cego

e faminto teu contorno

de vaso escaldante!

 

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Pablo Neruda

Soneto XI

 

 

Tenho fome de tua boca, de tua voz, de teu pelo,

e pelas ruas vou sem nutrir-me, calado,

não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra,

busco o som líquido de teus pés no dia.

 

Estou faminto de teu riso resvalado,

de tuas mãos cor de furioso celeiro,

tenho fome da pálida pedra de tuas unhas,

quero comer tua pele como uma intacta amêndoa.

 

Quero comer o raio queimado de tua beleza,

o nariz soberano do arrogante rosto,

quero comer a sombra fugaz de tuas pestanas

 

e faminto venho e vou olfateando o crepúsculo

buscando-te, buscando teu coração ardente

como um puma na solidão de Quitratúe.

 

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Pablo Neruda

uma leitura

 

§ entre as orquídeas e o trigo

que preferência confere

 

a uma só flor tanto luxo

e ao trigo (cal) ouro sujo?

 

§ se é doce a água dos rios

de onde tira sal o mar?

 

e não naufraga o navio

vogando em vogais demais?

 

§ quem fornece nomes - numes

ao inocente inumerável?

 

a intradução dos idiomas

conciliará pari pássaros?

 

§ é possível florescer

sobre um deserto de sal?

 

quando já se foram os n (ossos

quem vive no pó final?

 

§ terei meus cheiros -o - dores

quando dormir destru... ido?

 

quem era (hera?) te amando

que o sonho encampa dormindo?

 

§ será uma estrela -in- visível

(talvez?) o céu dos suicidas?

 

e por que o céu - in - vestido

se encerra com suas neblinas?

 

§ como se chama a tristeza

numa ovelha sol - it - ária?

 

moscas fabricando mel

ofenderiam as abelhas?

 

§ há espaço para uns espinhos?

(alguém pergunta à roseira)

 

por que é tão dura a doçura

do coração das cerejas?

 

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Pablo Neruda

Virás comigo

 

Virás comigo,

disse sem que ninguém soubesse onde e

como pulsava meu estado doloroso

e para mim

não havia cravo nem barcarola,

nada senão

uma ferida pelo amor aberta.

Repeti:

vem comigo, como se morresse,

e ninguém viu em minha boca a lua que sangrava,

ninguém

viu aquele sangue que subia ao silêncio.

Oh, amor,

agora esqueçamos a estrela com pontas!

Por isso

quando ouvi que tua voz repetia

"Virás

comigo", foi como se desatasses

dor, amor,

a fúria do vinho encarcerado

que da sua

cantina submergida soubesse

e outra

vez em minha boca senti um sabor de chama,

de sangue

e cravos, de pedra e queimadura.

 

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Pablo Neruda

SE TU ME ESQUECES

 

Quero que saibas uma coisa.

Tu já sabes o que é:

Se olho a lua de cristal,

o ramo rubro do lento Outono

em minha janela,

se toco junto ao fogo

a implacável cinza ou

o enrugado corpo da madeira,

tudo me leva a ti,

como se tudo o que existe,

aromas, luz , metais,

fossem pequenos barcos que navegam para estas tuas ilhas

que me aguardam.

Pois, ora, se pouco a pouco

deixas de me amar, de te amar, pouco a pouco, deixarei.

Se de repente me esqueces, não me procures,

já te esqueci também.

Se consideras longe e louco

o vento de bandeiras que canta minha vida

e te decides a me deixar na margem do coração

no qual tenho raízes, pensa que nesse dia

a essa hora levantarei os braços

me nascerão raízes procurando outra terra.

Porém, se cada dia,

cada hora, sentes que a mim estás destinada com doçura implacável,

se cada dia se ergue uma flor

a teus lábios me buscando,

ai, amor meu, ai minha,

em mim todo esse fogo se repete,

em mim nada se apaga

nem se esquece, do teu amor, amada,

o meu se nutre,

e enquanto vivas estará em teus braços

e sem sair

 

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