Site hosted by Angelfire.com: Build your free website today!

Genocídio Italiano-
Giuseppe
Garibaldi

Carrocinha de Radicchio
IMPERDÍVEL

Fronteiras Meridionais
Idéias de Um "Apelido"

Total
Abrazo - Poesia

Janet Kerr

Garibaldi

Bolivar

Ociosos

Ballet Folklore da Ucrânia

Un Simple Accidente

La Botte

Milagres em Santiago de Compostela

Erros Jurídicos no Processo de Jesus

Meridiano da Tertúlias- Fernando Pessoa

Conto:
O Homem da Jaqueta Plástica

Complexo de Sandra - O Cérebro

Conto - Festa de Noivado

Contos:
O Tonel

Alcântara - Pão, Sal e Foguetes

Das Amazonas Der Ring schließt sich.

Phelippe Rubart - Pintor Frânces

Poesias Ciganas

Reflexões sobre os oprimidos

Adeus Babitonga

Sonho Russo / Foguetão

Guararapes

Cravinhos

Pessankas

Família Reiswitz

Ribeirão Preto

Família Heberle

Contribuição Teuta

Legionários

Meridiano das Tertúlias

Os Brummer

Museu ucrâniano

Registrado em
Cartório:
12/09/1962
Campinas • SP
Brasil
Redação

ANO XXXIX                   www.jornaldosmunicipios.go.to       •  HOME
Português     English     Français     Italiano     Español     Deutsch

 
Uma Carta do Ano de 1832
Mathias Franzen

 

        A carta parcialmente transcrita aqui é um documento extremamente valioso dos primeiros tempos da imigração alemã no Rio Grande do Sul Foi publicada originalmente no ano de 1922 no Familien Freund e também na edição especial dedicada a São Leopoldo pelo Deutsches Volksblatt.

Talvez a mais antiga ainda existente dos tempos da colônia Alemã do Rio Grande do sul, a carta foi escrita no ano de 1832 por Mathias Franzen, endereçada a seu cunhado Mathias Rockenbach, e trazida de volta para o Brasil pela família deste último, sendo guardada atualmente em Feliz, pelos descendentes, como herança familiar. A carta relata com minúcias a vida dos primeiros imigrantes, as condições de vida, e as impressões que a terra e o povo lhes causavam. É também um testemunho da profunda religiosidade do seu autor, bem como atesta um nível de escolaridade acima da média naquela época. por estes motivos, reproduzimos a seguir alguns trechos traduzidos desta carta, procurando se manter a originalidade das expressões.

"Da Colônia alemã de São Leopoldo, próximo da cidade de Porto Alegre, na Província do Rio Grande do Sul, no Império do Brasil, escrita em 27 de agosto de 1832.

(...)

No que toca a nós, informamos que o misericordioso Deus conduziu-nos para esta terra longínqua, estranha, grande e ainda semi-selvagem, tendo aqui chegado com saúde e bem dispostos, e continuamos- graças a Deus- indo bem com muita saúde e nada nos falta das coisas básicas da vida.

Após 4 semanas de viagem terrestre, chegamos a Berrem. Após 13 semanas de demora em Berrem, subimos de barco pelo Rio Weser e fomos encontrar o grande navio Olbers no porto de Bremerhaven. Subimos no navio, permanecendo ainda 14 dias ancorados no porto. e velejamos em direção ao Mar do Norte. Navegamos felizes e com saúde através do Oceano, através do qual tivemos uma viagem penosa, porém não perigosa, nenhum de nós adoeceu, não obstante das 800 pessoas que vinham no navio, entre adultos e crianças terem morrido 47, foram sepultadas nas ondas do mar.

Chegamos ao Rio de Janeiro, a primeira cidade que tocamos no Brasil. Tinhamos navegado 400 horas deste Bremen, quando tivemos que ficar durante 7 semanas no armazém na periferia do Rio de Janeiro; daí então, um pequeno navio português mais uma velejou conosco para alto mar e em 7 dias chegamos à cidade de Rio Grande e, em mais 5 dias, a Porto alegre, quando aportamos contentes e com perfeita saúde, nesta Província habitada por mais de 1500 alemães, sendo que pusemos os pés pela primeira vez neste abençoado solo na cidade de São Leopoldo, há pouco tempo fundada por alemães, tendo ali permanecido, porém somente por 3 dias, quando fomos até a moradia de um colono alemão no campo, cuja colônia fazia divisa com a imensidão da floresta virgem. "( Provavelmente se trata de um colono de Portão)

"Paramos ali durante 10 meses, tendo eu e minha filha ficado acamados durante 2 semanas por motivo de febre; porém minha mulher, Peter Joseph e meus outros filhos Bárbara, Christina, Anna, Maria e Johannes estavam sempre bem dispostos e iam bem. Depois que Deus nosso Senhor me havia ajudado e me restabelecido, seguidamente eu e meu filho mais velho íamos trabalhar na minha colônia, que ficava no mato, a uma distância de 2 horas, onde derrubávamos mato, fazíamos queimadas e plantávamos. no dia de Ano - Novo de 1830 nos mudamos para lá, depois que havíamos construído uma casinha provisória para servir-nos de primeiro abrigo, mas há um ano atrás construí uma casa melhor, de 50 pés de largura por 26 pés de comprimento, com telhado de canas, paredes de barro e com abertura e tampões (’laden’ ), sendo que por aqui as janelas de vidro são raras e muito caro o vidro, também dispensáveis, tendo em vista as condições agradáveis do tempo.

... ao longo de uma estrada em linha através do mato ficam 110 colônias, 55 do lado direito, 55 do esquerdo. Minha colônia mede 100 varas (braças) de largura por 1800 de comprimento.(...)

Graças aos subsídios recebidos mensalmente (...) pudemos nos manter e também comprar gado.(..)

Após 2 anos e 8 meses que moramos na nossa colônia, tendo sempre estado com boa saúde, tenho 2 vacas com 2 terneiros, 2 cavalos, 20 porcos, mais de 100 galinhas, além de 2 cães de caça. Vendendo manteiga, frangos, ovos, temos dinheiro cada semana. Igualmente não damos conta de comer todas as frutas, as quais dão muito bem aqui. Vendemos feijão, milho, arroz, centeio, batata inglesa, que dá duas colheitas por ano. A gente semeia e planta 3 vezes ao ano, no dia de São João, no mês de setembro e em torno do Natal. (...) Todas as plantas da roça e da horta alemãs, aqui também crescem, apenas não temos ainda as frutas, por quanto faltam as sementes.

As frutas do sul que aqui dão bem são as laranjas, bananas, figos, pêssegos, laranja-sidra, limões, limas, ananás, melancias e melão. Aqui dá muita cana-de-açúcar, também uvas, que são muito atacadas pelas formigas, que comem a uva e também as folhas; dá também cânhamo, linho, com 2 colheitas por ano, sendo que nós também o cultivamos, algodão e oliveiras existem em abundância. A mandioca ( ou ‘raiz de farinha’ ) que é dos principais alimentos daqui, dá sobre maneira bem, tendo um gosto ainda melhor do que as batatas.

Da raiz da mandioca se extrai um porvilho finíssimo, que se conserva durante muito tempo, sendo consumido pelos portugueses em lugar de pão, e adicionado a muitos alimentos, bem como exportado para além mar. As batatas cultivadas aqui são batatas doces, de gosto muito bom; quanto as abóboras, são uma espécie de morangas, cujo tipo melhor tem gosto de cenoura, mas servem principalmente como trato para o gado, sendo que da sua semente se extrai um azeite do bom , que a garrafa vale 2 francos. No mato se encontra muito mel silvestre de cera. Resumindo, há tanto alimento e frutas gostosas, que seriam necessárias 2 folhas de papel para sua descrição; o solo é tão nobre, que nem precisa ser revolvido com o arado, bastando uma leve passada com a enxada para se tirar o inço e os toquinhos.

(...) na minha profissão ( sapateiro), que exerço intensivamente, ganho muito dinheiro... O dinheiro agora é muito raro e ainda não tem valor. A caça é livre e existem variados animais de caça. Guardas-florestais não existem e também não são necessários. Aqui há leões, tigres, gato-do-mato, veados, tamanduás bandeira, antas, tatus, coatís, macacos, Javalis, capivaras, nenhum dos quais oferecendo perigo para o homem.
Pássaros muito variados, tais como pica-pau, avestruzes, cegonha, aves de caça diversas, papagaios que comem muitos grãos, colibris e muitos outros. Nenhum pássaro se parece com os da Alemanha. Dentre os insetos merecem menção especial, ao lado das formigas que muitas vezes já tiraram as pessoas de noite da cama e as expulsaram de suas casas, o bicho-de-pé, que se aloja nos pés das pessoas e pode tornar-se muito perigoso.

As cobras não são tão brabas: se a gente não pisa em cima delas, não picam. Nesta província temos o melhor clima, nem quente, nem frio demais, ar limpo, água doce de boa potabilidade, só raramente cai neve, e mesmo então é rapidamente derretida pelo sol. (...)

Tributos ou impostos não nos atingem , sendo que durante 10 anos teremos insenções (...) Açougueiro aqui não vai muito bem, pois no interior cada um carneia o seu próprio gado. Comemos carne todos os dias (...) Nosso sustento está mais do que garantido. (...)

Poderíamos estar muito contentes e felizes se não houvesse um grande mal, isto é os índios
(literalmente ‘die wilden menschen’= os homens selvagens) há muito tempo vêm tornando iseguras as matas, já tendo tirado a vida de 21 de nossos co-irmãos alemães. Estes selvagens, originários da Índia foram os primitivos habitantes a viverem livremente nesta terra, antes dos portugueses se apossarem da mesma, após que eles tiveram que se refugiar nas selvas, onde poderiam muito bem se alimentar-se da grande variedade de caça, frutas e plantas, se não tivessem que satisfazer o seu impetuoso instinto de roubar e matar. Interessam-lhes principalmente utensílios de ferro. Temem muito o estampido das armas, o qual os afugenta (...)

Ultimamente os alemães se mudaram das colônias mais retiradas, tendo construído suas casas no centro desta Picada e também na minha zona, onde eu moro na frente; dessa forma não correm mais tanto risco, e Deus nosso Senhor queira por sua graça proteger-nos desses selvagens, cabendo a nós, todavia, sermos os vigilantes como um soldado que monta guarda sabendo que há inimigos por perto. Ainda uma coisa, e que é mais importante, continua a nos fazer falta: não temos serviços religiosos em língua alemã.

Tivéssemos nossas igrejas e nossas escolas, estaríamos muito satisfeitos, felizes e contentes. O país está cheio de padres estrangeiros, igrejas e capelas portuguesas, mas não temos párocos alemães, e nem professores, em condições de atender devidamente esses serviços. Os serviços religiosos são celebrados muito longe daqui, isto é, São Leopoldo, a 7 horas de distância. (...) Daí implorarmos, que os parentes e amigos lá de casa, aos quais tanto prezamos e amamos, queiram incluir-nos na santa missa nos domingos e orar por nós, tanto na igreja quanto em casa, como também nós aqui nunca os esquecemos na santa missa e nas orações em casa, mas sempre nos lembramos de todos, com amor e súplica a Deus.

As escolas, assim como as temos na Alemanha, aqui não as temos; as que existem ficam tão longe daqui que não podemos mandar nossos filhos para lá, daí sermos obrigados a ensiná-los, nós mesmos, da melhor maneira ao nosso alcance. Meu filho Peter Joseph (Pedro José) já viajou por todo este Estado, com isso aprendendo a língua portuguesa, a qual domina completamente. Muitos habitantes aqui, vindos de Portugal, nem sabem quantas cabeças de gado e cavalos possuem no seu campo.

Nas cidades e no interior há muitos negros e mulatos trabalhando como peões e escravos ou empregados dos estrangeiros ricos. Mas, basta agora de escrever sobre o Brasil; para descrever tudo, seria necessário um verdadeiro livro.

Agora, eu gostaria de saber e receber informações, também papai e mamãe anseiam com incontida saudade por isso, sobre como ainda vai a nossa amada filha Gerdrudes. Oh, que a tivéssemos uma vez conosco, que a pudéssemos ver de novo! Fazemos votos de que continue com igual saúde e bem estar como nós aqui todos juntos. Deus a abençoe e faça com que ela sempre vá bem. Agora mandamos inúmeras e amicíssimas saudações ao Sr. Pároco, ao Pastor do catão ("Kantonspastor") e ao digníssimo Inspetor escolar do distrito de Zell, ao Reverendíssimo Sr. Jakobus Thees, em Pünderich; rogamos muito respeitosamente que nos inclua no sacrifício da santa missa e se lembre de todos nós com santo amor.

Sendo muitas lembranças para meu amigo Nikolaus Schmitz, sua mulher e filhos, também para Egidius Heynz, sua mãe e seu filho, para Kaspar Kalfelz com mulher e filhos, e assim igualmente para todos os amigos e conhecidos tão cordialmente como se fosse mil vezes; da mesma forma também minha mulher Susanna Franzen, nascida Masz manda lembranças para seus irmãos ("Geschwister"= irmão e/ou irmãs), residentes na Alemanha e para todos os seus conhecidos. Também o professor Bolden é por nós lembrado com muito apreço !

A todos eles Deus queira abençoar e prover felicidade e contentamento em constante bem-estar em todos os seus caminhos e que esteja com ele através do Filho e do Espirito Santo, que todos nós enaltecemos, que os governe em sua bondade, dê-lhes uma vida feliz e que não se esqueçam de nós.

(...) peço mais uma vez de coração e com insistência, escrevam logo, informem muitas novidades sobre guerra, peste, epidemias ou paz e sobre como está a situação aí na Alemanha agora; acontece .que aqui na selva não recebemos jornais, e segundo cartas que aqui chegaram, a situação na Alemanha ainda é muito ruim. (...) Façam então no verso do envelope uma solicitação ao Cônsul Geral Real da Prússia, Sua Excelência o Sr. Karl Wilhelm Freiherr von Themerin, Rio de Janeiro, para que se digne mandar encaminhar a carta a qual poderá ser franco de pagamento até Hamburgo. Aí então, eu só desejo e espero, e você nem pode imaginar a alegria da mulher e dos filhos ao recebermos uma carta de vocês.

(...) As lágrimas obrigam-me a encerrar esta carta, pelo que mando lembranças sem fim para todos, incluam-me nas suas orações e me representem na igreja. Que tudo lhes vá bem em constante paz, que nunca o sofrimento os atinja. Sou o cunhado que muito os quer e ama."

Este é o conteúdo do interessante documento. Vale a pena ressaltar a duração da viagem na época: 40 semanas. note-se que a viagem deste Trier até a partida em Bremerhafen durou 19 semanas, ao passo que, deste Bremerhafen até São Leopoldo, durou 21 semanas, apenas 3 semanas a mais que o translado dentro da Alemanha. Compreende-se que, há 100 anos atrás, também na Alemanha toda se dizia: "paciência".

  HOME
E-MAIL