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Através
de investigações, trazidas a lume em 1820, pelo arquivista do departamento
de Polícia de Paris, Sr. Penchet, e só agora reveladas, verificamos que
o romance "O Conde de Monte Cristo"de Alexandre Dumas, existiu, e foi
personagem de um processo na Vendéia.
Os elementos necessários e verídicos para a confecção
da célebre novela, foram tiradas das peças do processo; da confissão pública
de um dos personagens , na presença de oficiais da Justiça, em Londres;
e do testamento de Pedro Picaud.
A história teve seu começo em Nines, cidade fortificada da França, na
localidade de Mateus Loupian, na Praça Santo Oportuno.. Certo Lupian,
taberneiro, certa tarde serviu Gervásio Chaubert, e Antônio Allut, lavrador.
Este homem fortíssimo tinha contas a ajustar com a polícia de Nimes. O
taberneiro sentara-se a conversar com eles, no momento em que galante
rapaz, conhecido de todos se acercou da mesa. O taberneiro perguntou:
- Olá Pedro! Que bela roupa. Fazes aniversário ou vai
ao baile de Treilles?
- Melhor do que isto. Estou fazendo hora para noivar.
- Noivar? Tu? Então ela não sabes que você é um desempregado?
- Isso é problema meu. Quem ela é , no dia de nosso casamento, se há de
saber...
Os convivas começaram a dar vinho a Pedro, com a finalidade
de faze-lo falar. Na terceira rodada Pedro anunciou:
- Bem, se querem saber, o nome dela, tem que brindar a
saúde de Margarida Vigoroux, minha noiva.
Todos ficaram pasmos. Choveram perguntas.
- Margarida? A órfã rica? A que tem mais de cem mil? E tu, o que levas
?
- Levo-lhe amor. Um amor que ninguém é capaz de lhe dar!
O taberneiro continuou céptico. O rapaz continuou:
- Rapazes, a boda é Sexta feira, na casa de pasto de Lesignac.
Depois haverá bailes e fogos de artifício. Estão convidados. Obrigado
pelo vinho, e boa tarde!
A inveja tomou conta de todos. Margarida, alem de ser a moça mais linda
do povoado, possuía boa fortuna, só dela, porque era órfão.
Mateus cortou o silencio.
- Aposto cem francos em que como Margarida não chega a
casar com o pelintra do Pedro!
Allut, o gigante, respondeu desconfiado:
- Que diabruras estás a maquinar? Deixa lá os dois, Mateus! Que Deus os
ajude! Olha que o Pedro é melhor do que qualquer de nós. - Melhor? Pois
se é melhorar, saberemos em pouco tempo. Vou mandar uma carta anônima
ao Comissário de Polícia. Vocês bem sabem que o Pedro era amigo daquele
pintor inglês Forrester - que esteve para ser guilhotinado quando o povo
levantou contra os Fidalgos. Ficou provado que tinha amigos nas cortes
de Paris, e o tribunal revolucionário gostaria de cortar-lhe a cabeça.
Vamos ao Comissário dizer que Pedro é um espião da Vendéia. A polícia
prende-o e o casamento vai pôr água abaixo...
- Não faça isso Mateus! É uma traição que não trás proveito
a ninguém .Não contem comigo . - disse o gigante Allut dando um murro
na mesa.
- O taberneiro disfarçou. Tinha imaginado uma brincadeira só para ver
se a moça era fiel até que o rapaz saísse da prisão.
Às escondidas do gigante, a carta seguiu, e o comissário
de Nimes, mal a recebeu, remeteu-a ao seu chefe - o Duque de Rovigo. Pedro
Picaud, longe de imaginar a cilada , ultimava, com a noiva, os preparativos
do casamento. Pedro contou a noiva que fora humilhado pôr amigos, que
tinham feito ver a sua pobreza.
Margarida teve um pressentimento ruim., e repreendeu o noivo pôr declarado
em público o que só eles sabiam. Teve de declarar isto, mais tarde, ao
comissário de Names. A carta seguiu o seu destino, e teve o efeito imediato
uma ordem do Duque de Rovigo, que de noite , e de surpresa, ordenou que
Pedro Picaud fosse preso - e em seguida o levassem para a Fortaleza de
Fermstrelle.
A amizade que tinha com o pintor Forester, aristocrata,,
que tinha retratado Maria Antonieta, bastava para o prender - no conceito
do Duque de Rovigo. Dois dias depois, quando Pedro saia para visitar a
noiva, foi agarrado, amordaçado, a cabeça metida num capuz de lã, e empurrado
para uma carruagem, que partiu em rumo desconhecido.
Margarida, inquieta, procurou-o pôr toda parte. Inutilmente.
Os que poderiam elucidar calaram-se, e o próprio gigante Allut, fora ameaçado
de morte, se contasse qualquer coisa sobre o acontecido.
Pedro viajou horas, pôr caminhos misteriosos. Não sabia
para onde ia. Finalmente, ao tirarem-lhe o capuz, encontrou-se numa cela
de pedra, onde passava claridade, pôr uma única fresta, rente ao teto.
Ficou desesperado. Recusou alimentar-se. Voltou a se alimentar, com a
intenção de fugir. Assim passou um ano...
A idéia da fuga dominava-o - sem reconhecer quanta força
perdera, tentou agredir um guarda, para se apossar das chaves. Subjugado,
foi transferido para uma masmorra subterrânea, com uma argola em volta
do pescoço, presa à muralha pôr uma corrente de ferro.
Depois de mais um ano , os seus cabelos branquearam-se.
Pedro desistiu dos protesto e tornou-se mais sociavel, e foi-lhe suprimida
a corrente.
No terceiro ano de encarceramento, ouviu, certo dia, batidas na parede
da cela. Respondeu.
Começou uma débil correspondência com outro ser humano. Passaram-se dias.
Uma manhã, encontrou um papel enrolado, dentro do pão. Nele a chave de
um alfabeto pôr batidas - o que tornou possível um diálogo.
Enquanto os guardas dormiam, os dois prisioneiros conversavam.
Pedro Picaud soube que o seu vizinho de cela era o padre italiano Torri,
que estava no décimo ano de encarceramento.
Como esta forma de comunicação era lenta, combinaram soltar uma das pedras
rente ao chão para poderem conversar.
Pouco a pouco uma pedra foi abalada, e removida. Desde então os dois prisioneiros
puderam conversar. Souberam as recíprocas história e uma solida amizade
os uniu.
Torri contou que estava preso, devido a intriga do seu
primo Carlos Torri, que desejava obriga-lo a contar onde escondera riquíssimo
colar de diamantes, um punhado de pedras em outro , e o nome do banco
onde depositara grande fortuna.
Nem a tortura, nem os anos de cárcere abriram a boca do prisioneiro.
Como Torri era rico, tinha, na prisão, um tratamento diferenciado. Pedro
participava das iguarias que lhe eram servidas.
Outro ano se passou com este convívio. Um dia, Pedro em vez da voz do
amigo , ouviu gemidos.
Torri estava morrendo, e passou ao companheiro um papel,
onde estava o nome dos Bancos, onde tinha o dinheiro, e um mapa do lugar
onde escondera os diamantes. O abade lhe outorgou, também, um testamento,
declarando-o herdeiro de todos os bens, que se elevavam a milhões.
Subitamente, em l814 o Império foi derrubado, e o novo governo deu indulto
a todos os presos políticos da fortaleza de Fermstrelle.
Em 15 de Abril, cumpriu-se sete anos desde que fora raptado em Nimes.,
Pedro Picaud, livre, era apenas uma sombra do que fora.
Realizou facilmente o levantamento de sua enorme fortuna,
e teve a sorte de encontrar o sítio marcado, onde as jóias estavam escondidas.
Depois de haver descoberto as jóias, modificou a sua vida.
Comprou uma casa em Londres, uma casa de campo em Fontainebleau. Contratou
criados.
Começou a procurar conhecidos antigos em Nimes - para saber o paradeiro
de Margarida.
Mas todas estas comoções abalaram os nervos de Pedro Picaud, que adoeceu
gravemente, só melhorando depois da queda total de Napoleão, e do advento
de Luiz XVII ao trono. Durante a longa convalescença, contratou agentes
que lhe deram as informações desejadas.. A sua desaparição, em 1807, tinha
causado grande sensação em Nimes.. Margarida despendeu enormes quantias
procurando-o. Ela própria encetou buscas e fez chegar ao Imperador uma
petição solicitando a libertação do noivo.
Nenhuma das pesquisas deram resultado, porque o Duque
tinha internado Pedro com nome suposto.
Depois de dois anos de buscas estéreis, Margarida esteve em risco de ser
presa pôr tentativa de suborno a oficial da justiça.
Então, o estalajadeiro, para protege-la, propôs casamento. No seu desespero,
Margarida aceitou, ignorando o papel miserável que o bandido tivera em
sua vida.
Aqui quase cessa a uniformidade do enredo entre o drama verdadeiro e o
romance. Existem pontos coincidentes, mas a partir do encontro do tesouro
a fantasia de Alexandre Dumas, supriu o interesse dramático, que faltava
ao caso policial.
A vingança de Pedro a seus inimigos não teria sido tão
espectaculosa, na vida, como foi no famoso livro "O Conde de Monte Cristo".
O recanto de Milão onde estavam escondidos os diamantes, não tinham a
grandeza da caverna nas entranhas da ilha. Mas nem pôr isto a espinha
dorsal da obra deixa de ter um fundo de realidade, que se parece com uma
grande tragédia.
Alexandre Dumas, com mão de mestre, tirou da riquíssima realidade, um
fantástico bordado literário, "O Conde de Monte Cristo", que tem comovido
gerações de leitores.
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